sábado, dezembro 16, 2006

DA SUA VOZ

(para/por causa de Céu)


DA SUA VOZ I


seu falar é como um rio
fazendo-me de foz

inundação de voz

fico sempre encharcado
e quase morro afogado
por águas tão profundas




DA SUA VOZ II


Deita aqui comigo
diz aquilo tudo
que você comprou uma lembrancinha pras meninas
saiu andando da casa de Ana quando ai! cortou o pé
tomou banho gelado fez mal à garganta
três pontos não doeu odeia sangue no calcanhar direito quer ver?
ia sair às três mas sentiu dor de cabeça e dormiu um pouco mais
um bêbado gritou com você e imita a voz dele
e o som da água no banho
(...)
diz aquilo tudo
não importa o conteúdo
o que me encanta é a forma
do seu som



DA SUA VOZ III


eu subterrâneo
arquiteto
o céu da boca
sem-teto
galáctica voz
arranha-céu
de Céu




DA SUA VOZ IV


se você cantasse
pr'eu dormir
eu não dormiria


DA SUA VOZ V

das minhas palavras
tentei fazer o som
do gosto da tua boca
mas o som do gosto
da tua boca só cabe
nas tuas próprias
e ao lado disso minha
poesia canta funk

sábado, dezembro 09, 2006

NÁUFRAGO

NÁUFRAGO


Pesquei uma letra curva
para a esquerda, meio
angustiado, na água turva
de um rio sem cor.
Um rir despedaçado
que você me causou,
dizendo que toda letra
que minha isca, folha
em branco, pudesse cap
turar seria sempre
peixe morto, foi
a razão da minha lágrima
curvada pra direita
que encheu de tinta
aquele rio sem cor
onde me afoguei
e alguém pescou
este poema a nado,
este poemador,
que nada mais é
do que um poema nada dor.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

TARZAN NO BORDEL

TARZAN NO BORDEL (ou “meu deus, como eu não tenho ninguém!”)


Sentou-se à mesa decidido. Coca-cola, por favor! Não temos esse refrigerante. E qual vocês têm? Nenhum deles. Então vou ficar com sede? Temos cerveja e pinga. Então vou ficar com sede.
Um homem sentou ao seu lado. Vai hoje? O que disse? Vai um hoje? Não estou entendendo. Você é retardado ou o quê? Sou o quê. Vai tomar no cu!
Chamou o garçom mais uma vez. Tem água aí? Você está mesmo com sede. Tem ou não tem? Só da torneira e da privada. Traga-me um copo da torneira.
Copo d’água na mão, levantou-se e foi em direção a um casal que se esfregava numa mesa próxima à dele. Jogou a água no rosto da loira deformada. Você poderia ter sido minha. Você está louco? O que você pensa que está fazendo, mané? Você poderia ter sido minha! Dá um cascudo nele, negão! Eu não sou de ninguém, demente filho da puta! Vai sair na boa ou quer que eu ponha você pra fora daqui na porrada? Calma, Sérgio! Quero que você me ponha pra fora daqui na porrada.
Com a cara inchada e as roupas rasgadas, caído na calçada depois da surra que levara, ouviu o garçom, que viera para acudi-lo: são três reais pelo copo d’água.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

BLOG DE SETE CABEÇAS


A convite da adorável Nanna Branco, hoje um poema meu será postado lá no Blog de Sete Cabeças, então passem em casa! Espero vocês lá. ;)

terça-feira, dezembro 05, 2006

NAMORO VIRTUAL

NAMORO VIRTUAL


você disse que mandaria
seu amor pelo correio
eletrônico e ele veio
amarrado
feito capim no feixe
— caiu na rede é dado

domingo, dezembro 03, 2006

RETICENTE

RETICENTE


vamos abrir um parênteses
nesses nossos pontos finais
(chega de nós com soantes
perdas das nossas vogais)

sábado, dezembro 02, 2006

DEGRAUS A MAIS

DEGRAUS A MAIS


petisco fervente
no meio da tarde
em meras palavras
meias verdades

é chegado o ponto!
é chegado o ponto
crente que nunca
estaria pronto

alguém retirou
minha redoma
não quero que entenda
quero que coma

quinta-feira, novembro 30, 2006

PILOMBETA E A LUPA MÁGICA

PILOMBETA E A LUPA MÁGICA


Em seu aniversário de oito anos, Pilombeta ganhou da avó uma linda lupa cor-de-rosa. Decepcionada, a menina passou três dias triste, andando pra lá e pra cá com sua lupa inútil, até descobrir que aquele não se tratava de um objeto comum. “Essa lupa é mágica, Pilombeta, não acredito que ainda não tenha notado! Vamos, faça um teste, aponte sua lupa cor-de-rosa para o céu azul e veja o que acontece. Mas mire diretamente no sol”. Foi o que a menina, cabisbaixa e desacreditada, fez. Dois minutos de lupa apontada para o sol e nada de mágico viu Pilombeta acontecer. Talvez a distância estivesse dificultando a ação dos elementos mágicos, então ela decidiu subir o morro atrás de casa para ficar mais próxima do sol. De cima do morro, lupa levantada captando o globo de fogo, a menina inflamou de alegria ao ver que uma sombra engolia, aos poucos, a luz solar. Os minutos passavam e a sombra crescia cada vez mais, de um lado para o outro, como se uma porta estivesse sendo fechada na frente do sol, até o momento em que este se apagou por completo. Pilombeta havia apertado o interruptor da lâmpada do planeta.
A escuridão tomou conta de tudo, mas não era a mesma da noite, era um escuro semiluminoso, como se tudo estivesse à luz de velas. Encantada com seu presente maravilhoso, a detentora da iluminação do mundo pensou em voltar para casa e mostrar à sua avó o que fora capaz de realizar, mas logo sua responsabilidade sobre tudo o que se abatera ao redor da Terra despertou-a para os problemas que aquela escuridão fora de hora poderia provocar, podendo ela ter colocado inúmeras pessoas em situações perigosas, perdidas em locais obscuros. Em verdade, a própria menina tinha um certo medo do escuro e não tinha coragem de descer o morro sem a luz do sol para transmitir-lhe segurança. Foi então que voltou a erguer sua lupa mágica e apontá-la para o sol preto, a fim de fazer com que o mesmo voltasse a acender. E assim aconteceu. Da mesma forma como a sombra houvera surgido, agora a luz, lentamente, engolia o círculo negro de um lado para o outro. Em poucos minutos tudo havia se normalizado. O planeta voltara a se iluminar — a porta reabrira ­— e imensa foi a felicidade de Pilombeta por possuir extraordinária magia capaz de apagar estrelas. Manteve-se ali com sua lupa fixada no sol por duas horas, até que ele se pôs e ela, aliviada, se sentiu pronta para enfrentar a escuridão da noite morro abaixo e voltar para casa.
Teve a mais feliz de todas as noites de sua vida, submetendo tudo e qualquer coisa à lente de sua lupa. Gabou-se de seus poderes até a avó cair no sono, e quando finalmente sentiu o corpo cansado e o braço dolorido resolveu deitar-se e esperar o alvorecer. Foi nesse momento que Pilombeta se viu diante do maior dilema de sua vida: até que ponto sua magia havia interferido no andamento habitual do sol? Poderia o astro continuar a nascer e se pôr normalmente sem o acompanhamento de sua lupa? Questões como essas martelaram a cabeça da pobre menina durante toda a madrugada até que os primeiros raios de sol começaram a iluminar o céu, fazendo-a correr até a janela para ver o globo luminoso erguendo-se no horizonte. No entanto, com o olhar fixo nas árvores ao longe, nada viu Pilombeta além de um bando de morcegos procurando abrigo antes que o dia despontasse. A menina começou a ficar preocupada, então pegou sua lupa e subiu o morro para procurar alguma pista do sol que tentava iluminar o céu daquela manhã preguiçosa. O tempo parecia não correr. Ela poderia jurar que, desde sua chegada ao topo do morro, horas haviam se passado e sequer um fiapo do sol surgira no horizonte, portanto decidiu, mais uma vez, usar sua lupa mágica. Com seu objeto encantado apontado para o horizonte, Pilombeta viu a esperada estrela nascer exatamente no ponto central que a lente da lupa captava. Este foi o momento crucial que interferiu em toda a vida da menina, que, certa de seu encargo, guiou a ascensão do sol pelo céu, acompanhou todo o arco que ele desenhou sobre as cabeças da cidade e acalentou-o quando ele se pôs, dando lugar à noite. Estava exausta. Não desceu o morro. Comeu uma manga e dormiu sem limpar os dentes.
A avó de Pilombeta pediu que alguns garotos subissem o morro para convencê-la de voltar para casa, pois era um absurdo ficar tanto tempo ausente, já havia se passado mais de uma semana, desse jeito ela acabaria tendo uma insolação, desidratação ou coisa pior. Porém, o que a avó não entendia é que Pilombeta já havia contraído a tal da insolação. A menina estava toda tomada de sol, sua vida dependia dos movimentos delicados daquele corpo celeste, ela tinha plena consciência de seu dever com o universo e adorava segurar na mão do sol e levá-lo pelo longo caminho céu afora enquanto o dia se estendia. Possuía a certeza de que o astro dependia da magia de sua lupa e tremia toda de felicidade por ser uma criatura tão importante no meio de tanta gente sem foco. Tinha pavor da imagem do sol estancado no céu, ou mesmo dele perdido no universo, caso ela, por qualquer descuido, não guiasse seu caminho diário pelo firmamento. Já não dormia mais. Encontrava-se completamente sujeita e subjugada ao poder que lhe fora imputado. Estava sob a ação do sol. Insolação.
Com o passar do tempo, o corpo de Pilombeta já não conseguia acompanhar os desígnios de sua alma. Teve heliose, cegueira e câncer de pele, morrendo preta e esquelética. Diziam que havia cometido suicídio, que sua atitude fora burra e que não houvera amado a própria vida, e, sendo assim, não merecia sequer ser enterrada. Deste modo, abandonaram seu corpo, sem sequer tocá-lo, no local onde havia tombado: no alto do morro, com uma das mãos erguida a segurar a lupa cor-de-rosa. Era impossível que eles compreendessem a felicidade de Pilombeta. Dificilmente perceberiam quão grande é a alegria de se ter apagado, uma vez que seja, a luz do mundo e jamais entenderiam que, para Pilombeta, aquele instante de êxtase extremo já fazia valer à pena quantas vidas lhe fossem concedidas.
A detentora da iluminação do planeta morreu numa tarde de eclipse total do sol, maravilhoso espetáculo que começou no momento exato de sua morte. Depois daquele dia o sol voltou a se pôr e nascer normalmente, carregado de matemática e despido de toda a magia que houvera obtido em razão do olhar de Pilombeta. Onde o corpo da menina apodreceu, brotou um belíssimo campo de girassóis.

domingo, novembro 26, 2006

A TRISTE VIDA DE UM GATO DE RUA

A TRISTE VIDA DE UM GATO DE RUA



Era uma vez um gato chamado Leopoldo. Sempre quis começar um conto com essas três palavras: era uma vez. É, dos clichês, o mais atraente, porque dá à estória que está para começar um clima de fantasia, e logo se espera que a mesma acabe com e foram felizes para sempre. Gosto que minhas estórias tenham um teor fantástico, pois sempre me identifiquei com os contos de fadas, simpatizo com o otimismo impresso neles, e, mesmo agora que pretendo relatar fatos reais e dramáticos, começar este conto com era uma vez faz com que essa realidade excessivamente triste pareça distante da que se vive, e talvez se menospreze, de uma forma inocente, toda a dor contida nos acontecimentos para supervalorizar apenas os bons ensinamentos que a moral da história trará. Dessa forma, para os que querem ler um conto de fadas, esta será a estória de um felino que superou todas as dificuldades para ser bem-tratado e feliz, e para os que querem a verdade, esta será a história de um gato de rua e de sua morte drástica. E começa assim: Era uma vez um gato chamado Leopoldo. Nascido na esquina 22 de um conjunto habitacional qualquer, ele viveu suas primeiras semanas sob os cuidados de uma mãe cautelosa, que veio a falecer atropelada por um caminhão de lixo, deixando Leopoldo e seus dois irmãos sujeitos aos mais diversos perigos que a rua oferecia.
Logo na primeira semana de vida sem a mãe, os três filhotes se separaram. Bartolomeu, o que primeiro nasceu, um gato branco e de pêlo solto, foi levado numa sacola de plástico por uma mulher idosa. O segundo a nascer, Godofredo, listrado em tons de cinza e de calda longa, morreu apedrejado, emboscado por três moleques num beco. Foi uma armadilha da qual Leopoldo se salvou por pouco, pois, quando a primeira pedra atingiu o crânio de seu irmão, ele saltou o mais alto que pode, alcançando uma fenda numa parede que o ajudou a subir um muro alto pelo qual correu apavorado, enquanto ouvia os miados desesperados de seu irmão sendo torturado.
Leopoldo era realmente azarado. Poderia ter nascido siamês, já que sua mãe se envolvera com um gato de raça que rondava aquela região, mas nasceu vira-lata, assimétrico e ingênuo. Tinha os pêlos escassos e de uma coloração disforme que o fazia parecer estar sempre sujo: uma mistura de ferrugem, cinza e branco, com uma mancha preta no olho direito. Sem os irmãos, Leopoldo passou a ser o felino mais solitário da cadeia alimentar. Passava os dias vagando sem rumo, comunicava-se pouco com outros bichos, já que na maioria das vezes era desprezado e mal-tratado, comia qualquer coisa que conseguisse arrancar de algum mendigo que não tivesse nada e se enfiava em qualquer brecha escura para meditar. Raciocinava muito, principalmente sobre o comportamento humano. Era um gato antropólogo, com um tanto de sociólogo, filósofo e (por que não?) poeta.
Em uma certa manhã ensolarada de sábado, quando Leopoldo já tinha por volta de seus dois anos de idade — seus pêlos, se já eram escassos, agora mal existiam, já que os ferimentos por todo o corpo formaram crateras de pele na penugem —, a cidade em polvorosa, com seus humanos indo às praias e às feirinhas e às lavanderias e aos bares da esquina e às casas da sogra e aos cinemas e aos motéis e aos seus lugares nenhuns, indo ao encontro de si mesmos, e Leopoldo observando tudo isso, pensando no tédio de se atribuir compromissos inadiáveis, na perda de tempo que é ter algo a se fazer, quando pode se ter muito mais o que não se fazer, uma bicicleta atropelou o gato filósofo.
Talvez vocês venham a querer mais detalhes desse atropelamento, já que este ainda não é o momento da morte do protagonista desta história, mais precisamente, este é o instante da reviravolta, lá pelo meio do conto, onde as coisas começam a melhorar pro lado do herói. Nesse trecho, mesmo tendo certeza que o personagem vai morrer, o leitor torce para que tudo dê certo, e, quando tudo começa mesmo a dar certo, ele chega a desejar que o conto se encerre antes do trágico final preanunciado. Esforços vãos, não esqueçam que o gato vai morrer. Sendo assim, aí vão os detalhes: Leopoldo estava encolhido junto a um muro, miando baixo, reclamando do calor e da fome, enquanto via os carros passando apressados na rua bem a sua frente, quando um garoto de quinze anos veio correndo em sua direção e chutou seu estômago, algo que os humanos fazem muito para espantar o stress. Foi uma pancada tão forte que jogou o gato para a rua. Aterrorizado, ele perdeu a noção dos sentidos e correu desnorteado entre os carros que freavam bruscamente, o som das buzinas fazendo-o pular. Com a dificuldade de um desesperado, se esquivou de alguns veículos e conseguiu se aproximar da calçada oposta a da qual fora arremessado, no entanto, poucos centímetros da segurança, uma bicicleta atravessou seu caminho, fazendo-o, num ato de reflexo felino, pular para traz sem ver que outra bicicleta se aproximava, esta sim a bicicleta que o atropelou, esmagando sua pata direita dianteira. Miando de dor, mancou até um local aparentemente calmo, numa rua longe daquele tumulto, onde pôde deitar na sombra de uma roseira e lamber-se por vários minutos antes de dormir.
Leopoldo dormiu a poucos metros de distância de um casal que discutia. Era um senhor de aparência jovial, mas cujos cabelos eram totalmente brancos, e uma mulher gorda dentro de um vestido estampado tão rente ao corpo que a deixava com o formato de um botijão de gás. A gorda, que Leopoldo veio futuramente a chamar de Bolinha, reclamava da ousadia dos gatos de alguns moradores daquele local, que entravam no quintal da sua casa e defecavam por toda parte. O senhor de cabelos brancos, que o gato poeta chamou de Branquinho, apenas ouvia e tentava acalmar a mulher, que segurava uma vassoura e apontava para cada pessoa que passava em frente à sua porta. Depois de muita conversa, Bolinha entrou em sua casa e Branquinho veio andando em direção à sua, então encontrou Leopoldo tremendo e choramingando graças às dores no estômago e na pata esmagada. Neste ponto começa a valer à pena a vida de Leopoldo, é a chegada de sua fada madrinha. Branquinho sente carinho pelo gato sem dono e o adota, até então ele morava sozinho e o felino passa a ser sua única companhia na maior parte do tempo. Passou a ser tratado da melhor forma possível, com as melhores rações para gatos, que aos poucos foi melhorando sua aparência, mesmo com todas as falhas no pêlo, e recebendo leite da melhor qualidade, além de ter sua pata medicada, receber tratamento contra vermes e algum amor.
Branquinho tinha um sobrinho que vinha visitá-lo às vezes, uma criança de oito anos que adorava brincar com Leopoldo. O menino brincava de prender a respiração do gato, soltando apenas quando este já estava à beira da morte, esse era o único problema de morar ali com Branquinho, mas, sem dúvida, era um problema menor do que os que ele enfrentara vivendo na rua. Numa dessas vindas de Toc-Toc, o sobrinho, Leopoldo decidiu sair de casa pra não ter que aturar as brincadeiras doentias do garoto. Leopoldo não entendia essa necessidade que os humanos tinham de despejar sua agressividade em qualquer coisa que fosse; essa forma vaidosa de lidar com a suposta superioridade, como se, pelo fato de serem maiores e mais fortes, tivessem o direito à impunidade perante seres mais fracos; essa maneira egocêntrica de desrespeitar as diferenças. O gato sociólogo subiu para tomar ar nos telhados.
Neste parágrafo, finalmente, o gato morrerá. Aqui chegamos ao ápice da história para aqueles que estão lendo a verdade; para os que lêem o conto de fadas, o ápice ainda está por vir. Andando pelos telhados da vizinhança, Leopoldo sentiu um cheiro delicioso invadir suas narinas, chegando ao pulmão como se este fosse um estômago e quase saciando uma fome que não existia. Seguiu aquele odor como se tivesse sido laçado e estivesse sendo arrastado ao encontro do laçador. Era um quintal com uma goiabeira e algumas folhas secas no chão de terra batida. Próximo às raízes da árvore, repousava um enorme filé de carne de boi, a fonte do cheiro que atraíra o gato. Desceu o muro e foi direto comer a carne. Mordia rápido e voraz, há tempos não sentia aquele sabor inebriante, pois Branquinho tratava-o como se trata um bebê humano, com todos os cuidados de um pai coruja: comia apenas ração e tomava leite, dificilmente conseguia arrancar de seu dono um petisco como aquele. Acabou a carne rapidamente e voltou a subir o muro, depois o telhado e logo estava descendo pela frente da casa, na rua onde fora encontrado por seu dono, mas foi neste momento, enquanto dava seu último salto, que Leopoldo sentiu a pontada no estômago, e a dor que se espalhava por todo o corpo, e a respiração difícil, como se o ar estivesse sendo puxado através de um canudo, foi nesse instante que a dor mal possibilitou que continuasse a se mover, chegou até a porta de Branquinho e miou alto, seus últimos miados. Foi nesse instante também que os olhos embaçaram e sequer conseguiram reconhecer Bolinha saindo de sua casa e gritando ofensas a Branquinho, foi nessa hora que os ouvidos começaram a falhar e ele não entendeu o que Branquinho esbravejava para a mulher, não conseguiu entender que ela dizia que a culpa era dele, que o veneno era pra matar o gato que sujava seu quintal, foi nesse miserável minuto que ele perdeu o tato e não sentiu o último abraço de seu dono, perdeu a visão e não viu as lágrimas que escorriam dos olhos de Branquinho, perdeu-se de si e não se foi mais nada. O gato poeta morreu estrebuchando na calçada, como morrem os animais de rua (vide mendigos, loucos e andarilhos).
Quando chegou aqui, Leopoldo estava sereno, triste como uma pedra, de uma serenidade vegetal, sábia. Primeiro perguntou-me se Deus existia, pois não entendia como este pudera, em um castigo dirigido aos seres humanos devido sua fraqueza diante das tentações, acabar atingido todas as criaturas vivas com pestilências como a praga da dor e da fome. Falava calmamente, expunha suas meditações mais amargas causadas pela decepção de se morrer. Queria saber se era justo que a raça humana pudesse desfrutar de benefícios conseguidos pelo sofrimento de outros bichos, se era justo que todos pagassem por um erro irracional dos semelhantes de Deus. Não respondi a nenhum dos questionamentos do gato morto. Após ouvir toda a dor que aquele gênio sofrera, perguntei-lhe apenas se ele gostaria de renascer, e dessa vez como um humano, para que pudesse ter a oportunidade de não ser tratado como um objeto, um utensílio de outra raça. Leopoldo respondeu-me que jamais se sujeitaria a uma circunstância como aquela. Sabia que a cultura está baseada na sobrevivência do mais forte e não queria pensar em si mesmo como um ser que maltrata criaturas como a que ele fora, não queria se imaginar como alguém que abusa de um poder que lhe foi concedido para maltratar os mais fracos, ele sabia que, se aceitasse aquela proposta, se tornaria igual a todos os humanos, e não suportava sequer a idéia de poder vir a ser algo que despreza. E eis o meu conto de fadas: Leopoldo, o gato antropólogo, olhou-me profundamente, esboçou um sorriso brando e afastou-se saltando entre algumas nuvens. Foi feliz. Para sempre.

sexta-feira, novembro 24, 2006

SEMIÓTICA

SEMIÓTICA


o reflexo da cor do pato
não é a cor do pato
a cor do pato
não é o pato

não é o pato
pato
não é o pato
o que diabo
é o pato
afinal?

segunda-feira, novembro 20, 2006

FESTIM FOOD

FESTIM FOOD


dois pães espremidos
deitados na chapa
fritando os miolos
dois pães espremidos
espremendo espremendo

e eu que tanto esperei
um amor assim farto
melecando o canto da boca
sem guardanapo
quase morro de fome
devorado no prato

pão-dormido pão-duro
feito sangue que talha
espremido espremendo
a mostarda
mas não falha

sexta-feira, novembro 17, 2006

SÍNDROME DO ESTOU COMO

SÍNDROME DO ESTOU COMO


O poeta estancado:
____— Há dias que
____não escrevo nada,
____nada sinto.
____Estou como
____uma versão piorada
____de mim outro,
____minto:
____estou como
____se nunca houvesse encontrado
____o mim outro
____que, frente ao espelho,
____finto.

quarta-feira, novembro 15, 2006

FRENTE E VERSOS



Escrito em frente e versos vai meu novo endereço virtual, um blog compartilhado, onde eu e Isabella Brito levaremos, para os que se arriscarem a ler, textos que são frente e verso de uma mesma idéia. Virem nossas páginas, rabisquem nos cantos, grifem as frases atraentes, cortem as de gosto duvidoso, sintam-se a vontade para abrir e fechar nosso livro quando bem entenderem. E não esqueçam de ler frente e versos. Basta clicar aqui e conferir!




DAS INTENÇÕES


— Por que o poema atravessou a rua?
— Porque o sinal fechou.
— Não.
— Para chegar do outro lado?
— Não.
— Porque... porque... porque ele teve vontade!
— Não.
— Ah, desisto. Não sei. Por quê?
— Ele não atravessou a rua!
— Mas isso não faz sentido.
— Dããã! É um poema!

terça-feira, novembro 14, 2006

ARTE E VIDA LANTERNINHA

A VIDA IMITA A ARTE RECRIA A VIDA


Então,
vida:
projeção
na pele.
Película
trash:
brecha no roteiro;
trilha brega;
atuações banais;
ausência de efeitos
visuais;
direção falha.
Porém, encanta
pela
bela
fotografia
em
preto e branco.

segunda-feira, novembro 13, 2006

OUTRAS ÁGUAS

OUTRAS ÁGUAS
Para Remo Saraiva


no rio que Remo
percorre
meu corpo saraivado
de belo
morre




Um dia encontrei um poeta no meio de uma pilha de roupas sujas. Eu lavei, espremi, estendi à lua, limpei bem até poder contemplá-lo sem o cheiro de tudo o que havia entulhado junto dele. Um poeta magnífico, cuja carcaça reluzia indiferente e quase despretensiosa. Acabei viciado. Aconselho que também tomem suas doses diárias: >> encontre seu título << .
Este é Remo Saraiva. Ou qualquer outro nome, basta encontrar seu título (que título César Comenta daria para ele?).

sábado, novembro 11, 2006

RALAVANAVA

RALAVANAVA


— Mãe, mãe, mãe, aprendi uma palavra nova!
— Ah, é?! E qual foi?
— Ralavanava.
— Como?
— RALAVANAVA!
— Hum... e o que isso significa?
— Significa que eu não sei pensar.
— Não diga uma coisa dessas, meu filho! Você é uma criança tão esperta!
— Não, mãe. Eu sou poeta.
— Valei-me, meu São Judas Tadeu!

sexta-feira, novembro 10, 2006

SOBERBA

SOBERBA


tire suas mãos
geladas suadas trêmulas
de tudo o que me pertence:

afaste suas mãos
de si
e venha bater palmas
em mim

... os sete poemas capitais

quinta-feira, novembro 09, 2006

AVAREZA

AVAREZA


eu quero
seu olho sua boca sua mão seu balanço seu dedão do pé
eu quero
seu relógio seu cabelo sua roupa seu espaço seus pêlos de pé
eu quero
sua voz seu canudo seu cheiro seu braço sua coxa seu umbigo seu
reflexo cadarço seu beijo de veludo seu sorriso mudo até seu chulé

eu quero quase tudo
só não quero a cicatriz
embaixo do seu queixo
um corte feio e cego
desleixo do meu ego
que me faz lembrar de mim



... os sete poemas capitais

quarta-feira, novembro 08, 2006

IRA

IRA


vem assim me esmagando
faz o sol, noite adentro,
ser de mim o que não sou

vem gritando que me odeia
faz pegadas no meu pódio
para nunca mais me pôr
...
mas pra que tanto eclipse
se já sabes que o ódio
é uma forma de amor?



... os sete poemas capitais

terça-feira, novembro 07, 2006

LUXÚRIA

LUXÚRIA


uma palavra crua logo
após uma noite de amor selvagem
vale mais do que mil diálogos
vale mais do que mil imagens



... os sete poemas capitais

segunda-feira, novembro 06, 2006

PREGUIÇA

PREGUIÇA


vamos fazer um negócio:
esquecerei o amor
e viveremos do ócio



... os sete poemas capitais

domingo, novembro 05, 2006

INVEJA

INVEJA


oh, minha amada
pudera eu amá-la
o amor que tu me amas
quem dera, amada!
mas amo esse amor triste
que quase não existe
oh, minha amada
te amo como a mim
um amor mesquinho assim
pouquinho, quase nada



... os sete poemas capitais

sábado, novembro 04, 2006

GULA

GULA


de tanto que me anula
a sua presença
é minha gula



...os sete poemas capitais

quinta-feira, novembro 02, 2006

DO DESTINO

DO DESTINO


tenho sérios problemas
com os desígnios da vida

fui designado a ser sombra
do sol que me projeta
fui projetado pra ser meta
e acabei saindo poeta

RALOUIM

RALOUIM


— Ralouim.
— Ré-lou-íem!
— Relouim?
— Quase. Ré-lou-í-em. Mas vocês aqui podem chamar de Dia das Bruxas que dá no mesmo.
— Sei. E lá vocês falam como? Diei dés briuxeis?
— Não. Lá é Rélouiem mesmo, que se escreve agá, á, éle, éle, são dois éles, ó, dábiliu, dois és e um êne no final, diferente da sua língua, que tem mania de acabar palavras com ême. Halloween.
— Ah, entendi!
— Então, já posso comer seu cérebro?
— Não, espera. Tenho outra pergunta.
— Hum?
— Ralouim, em português, quer dizer Dia das Bruxas?
— Não, não há relação. É apenas uma forma de adaptar a data à sua cultura, assim como o Dia do Saci, que, desde o ano passado, passou a também ser comemorado neste dia, para valorizar seu folclore.
— Ah! Então o senhor é um Saci!
— NÃO! Eu sou o cadáver de um bruxo morto na época da...
— Mas o senhor acabou de dizer que hoje é Dia do Saci!
O morto engoliu o menino.
— Odeio quando dá interferência na linha espiritual e acabo encarnando nesses países latino-americanos!

terça-feira, outubro 24, 2006

MANIFESTO DO CORAÇÃO PARTIDO

Manifesto do Coração Partido


EMO: emoção e hemorragia. Sangue e lágrimas.
Eu me sentia deslocado, inconfortavelmente diferente. Não tomava minha cerveja com um canudo direto na lata, não usava nenhuma espécie de produto de hidratação ou alisamento no cabelo, nem lápis para escurecer os olhos, e as listras da minha blusa eram grossas demais para que esta se passasse por uma daquelas dos irmãos metralha, que estavam espalhados por toda parte.
"Estou aqui a trabalho", eu pensava. Era minha desculpa para qualquer conhecido que casualmente me visse naquele lugar, mas eu sabia que nenhum conhecido meu poderia estar ali no meio daqueles seres homogêneos. Eu não imaginava que existissem tantos deles, e nem que todos fossem tão parecidos, como os habitantes de um planeta distante onde a sutil diferença entre um e outro está num dirigir de olhar enigmático. Assim como eles, suas músicas pareciam compor uma única e interminável canção falando do pranto que rolou depois que meu amor se foi, seguindo a mesma melodia berrada. Tudo ali era uma coisa só, um tal de repetir, ir e vir, avançar e volver, que, quanto mais se repetia, mais euforia causava. E se o tom das minhas palavras parece ameaçador é porque escrevo exatamente o que estava sentindo nas primeiras horas da noite que me atrevo a descrever aqui. Eu era um corpo estranho em um organismo fechado, acuado, com medo de ser abordado a qualquer momento por violentos anticorpos.
Eis que se inicia mais uma música da grande música que compunha a noite, e para eles aquela tinha um significado maior, como todas o tinham. Percebi isso porque, logo nos primeiros acordes da canção, um canguru vermelho veio pulando do fundo do salão para perto do palco, bem ao meu lado, onde um canguru amarelo o recebeu com saltos alegres. Começou, então, um concurso de saltos no meio da aglomeração. Cangurus de todas as cores, principalmente negros, pulavam ininterruptamente numa disputa eletrizante, era difícil saber qual estava pulando mais alto. Fiquei intrigado com aquele comportamento. Fiquei encantado, confesso. Foi então que um canguru roxo trombou em minhas costas, fazendo com que eu me aproximasse de um círculo de cangurus multicolores. "Estou aqui a trabalho", balbuciei. Mas um canguru branco, num salto desequilibrado, pisou meu pé com toda sua força. Num reflexo automático, em vista da dor que sentia, levantei a perna e comecei a pular segurando a ponta do pé, ao mesmo tempo em que soltei um grito de dor. Eles devem ter achado que eu cantava, pois virei alvo da atenção dos cangurus por alguns segundos, eu berrando de dor, eles de emoção, eu pulando de agonia, eles de euforia. Esta imagem, agora que reflito sobre ela, representa bem o que os integrantes desta tribo, EMO, carregam na essência de seu movimento, pelo menos para um leigo como eu, que só teve um contato verdadeiro por uma noite: dor e alegria formando uma coisa só. Sua música, o jeito melancólico que tanto os agrada, o sombrio e o luminoso, tudo não passa de uma brincadeira com as contradições, de um exercício de antítese, de dialética, pois, no fim, os contrários cabem sim em um mesmo conceito.
Quando a dor no meu pé passou, eu já estava envolvido com o papel que me atribuíram, eu estava gostando de ser um deles, e fiz de tudo para ser o melhor canguru pulador da disputa. Eu, um canguru inexperiente, um canguru jeans e de listras grossas, certamente não duraria muito na disputa. E não durei. Ofegante, fui para um canto e sentei para descansar enquanto observava o final do concurso, que acabou em uma espécie de luta coreografada, onde os participantes formam um círculo e se estapeiam ao ritmo frenético dos gritos da banda. Observei os arredores e percebi que era bem maior o número de pessoas que ficavam nos cantos das paredes do que os que estavam no centro pulando. Estavam em pleno ritual de acasalamento, um ritual macabro e tímido. Os que estavam se dispondo no centro, entre pulos e tapas, mostravam seus dotes, e, fazendo jus à seleção natural de Darwin, os mais fortes seriam o alvo dos olhares famintos daqueles que se encontravam nos cantos a observar. E é interessante como todo o desejo permanece no campo visual, não se vê muitos beijos ou abraços, as demonstrações de carinho são diferentes, como lançar uma lata de cerveja na cabeça de um amigo para representar um "eu te amo". A banda acabava de tocar sua última canção e os ânimos voltavam a esfriar, eles sorriam, e tudo era extremamente desinteressado.
Chegou, finalmente, a hora que todos esperavam, e que era a real razão que me levara àquele show. A esta altura eu já não me sentia ameaçado, já sabia me comportar como um deles, e nem as listras da minha blusa me incomodavam mais. Era o momento exato para que a atração principal se apresentasse, eu estava feliz. Esta banda, Fresno, possui uma diferença primordial dos demais grupos EMOs que se apresentaram naquela noite: suas letras e melodias são melhor trabalhadas, não que fujam do pranto que rolou depois que meu amor se foi, ou dos berros, a diferença aqui é que o pranto, às vezes, se torna poético, e o berro, quase sempre, melódico. Como definiu um amigo jornalista, Fresno é uma banda EMO de raiz. Só não me perguntem em qual solo está fincada esta raiz.
Os tímidos, que estavam distribuídos pelos cantos, vieram até a frente do palco e agora pairava um clima de idolatria que tornava o comportamento anterior bem mais irresponsável. Os integrantes da banda eram iguais a seu público, quatro cangurus coloridos. Havia cumplicidade em qualquer suspiro. Porém, algumas atitudes eu ainda não compreendia, como quando, em uma pausa entre uma música e outra, vendo que os músicos estavam envolvidos com o teor dramático-romântico das canções que interpretavam, os fãs gritavam tentativas de ofensa preconceituosa que confundiam meu entendimento do que aquelas pessoas pensavam de si mesmas, pois até então eu julgava que a sensibilidade fosse a marca maior daquele grupo, mas, com estas atitudes arrogantes, eles pareciam negar sua própria imagem, talvez se rendendo ao preconceito que recai sobre eles, afirmando, assim, que sensibilidade é coisa de veado. Então, enquanto a música tocava, todos eram tocados e cantavam emocionados, e, em suas pausas, alguns demonstravam uma personalidade agressiva que tentava negar aquilo que os caracterizava e tornava alvo de chacota. Acredito que o preconceito trabalhará seus cérebros até que amadureçam e descubram que sensibilidade não é coisa de veado e que não precisam daquelas demonstrações de resistência infundada. Mas, por outro lado, creio que com este amadurecimento eles deixariam de ser EMOs e perderiam a contradição que tanto me impressionou nesta experiência. Sendo assim, todos estes elementos só contribuem para tornar a tribo ainda mais interessante e rica em diferenças. Se você acha que conhece a contradição, vá a um show de EMO e modifique suas impressões.

quarta-feira, outubro 18, 2006

MENOS PREZAR

MENOS PREZAR


Antes de mim, teu coração
Já cheguei sem nunca ter vindo
Tendo as dúvidas do findo
Em vias de ser inverso

Qual o alcance do meu verso?
Qual é a cor do meu nome?
E nos sentidos do universo
___Por que você não some?
___Por que você não some?
___Por que você não some?

domingo, outubro 15, 2006

BEIJA-FLOR (OU MADRIGAL ERÓTICO)

BEIJA-FLOR (OU MADRIGAL ERÓTICO)


fico suspenso
p a r a d o n o a r

embriago-me, penso
em despetalar

estático e tenso
provando teu néctar

sábado, outubro 14, 2006

POLVO

POLVO


Quem disse que o abraço
é essa coisa de braço
ou de tentáculo?
Meu abraço está no fascínio
que, pela água, ondulo
(ao redor e em mim)
sem nunca desaparecer

— Abraçar não tem domínio!

quinta-feira, outubro 12, 2006

CARANGUEJO

CARANGUEJO


é tão óbvio
que o meio do céu
esteja no centro
da Terra

domingo, outubro 08, 2006

MORCEGO

MORCEGO



— Meu trabalho é fazer que a noite me ingresse.

quinta-feira, outubro 05, 2006

UM POUCO DE AFETO II

UM POUCO DE AFETO II


Saíram do cinema sorridentes, como um típico casal de namorados que assiste a um romance e se satisfaz com o previsível final feliz da trama. Porém o que eles haviam visto não era um romance, tampouco teve um final feliz ou previsível, e eles não eram um típico casal de namorados, nem típicos nem namorados. Gargalhavam enquanto trombavam nas pessoas que lotavam o shopping, sem saber o que era mais engraçado: a forma como haviam despistado os amigos que os acompanhavam no cinema ou a incrível cumplicidade que haviam conseguido em tão pouco tempo de convívio, algo em torno de três horas.
Era possível ser feliz. Aprontaram pequenas travessuras, armaram pequenos furtos. Foi uma tarde fabulosa. Quando o sol se punha, visitaram uma exposição de uma artista plástica que estava sendo exibida numa galeria nova, Mônica adorava aquilo e Guto não soube recusar. Encantada que estava com o trabalho da artista desconhecida, Mônica logo a procurou para cumprimentá-la.
— Seu trabalho é magnífico! As cores, a sobreposição de formas, a visão mínima do que é soberbo, o traçado irregular nas...
— Aprecio seus elogios e fico lisonjeada que tenha gostado, minha querida.
J. H. parecia tão plástica quanto sua arte. Trocadilho bobo, visto que o material principal de sua arte era a madeira. Outro trocadilho bobo.
— Eu realmente adorei seu trabalho. Fico surpresa que ainda não a conhecesse.
— E você, meu filho? O que achou das peças?
Guto pigarreou. Deu uma olhada com o canto do olho direito para uma obra ali perto, tentando tirar uma conclusão naquele momento. Mas só conseguia perceber uma caixa vermelha com outras de tom semelhante cruzando umas as outras sem uma função aparente.
— Acho que é algo interessante para se fazer, mas que não entendo o suficiente para julgar.
J. H. sorriu, mas não um sorriso agradável, um sorriso debochado de alguém que acredita saber mais do que o outro. Mônica também sorriu, um sorriso discreto, este sim agradável. Guto não sorriu, nem para acompanhar Mônica naquele jogo de cumplicidade que continuavam travando. Saíram da galeria.
Guto e Mônica se conheceram no shopping naquele mesmo dia. Estava ela com um grupo de três amigas e ele com dois amigos inseparáveis. Sentaram-se em mesas paralelas e trocaram olhares. Hoje em dia é muito fácil: um olha de cá, o outro de lá, então ambos sorriem e em menos de quinze minutos estão beijando na boca. Mônica olhou de lá, Guto de cá, ele sorriu, ela sorriu de volta, ele foi até ela. “Meu nome é Gustavo”, “Oi, eu me chamo Mônica”, “Você também vai ao cinema?”, “Vamos sim!”, “Não querem ir conosco? A sessão já vai começar”, “Pode ser”. Mas não beijaram depois de quinze minutos. É que o filme não deixou, e eles até gostavam de conversar, e até tinham o que conversar, o que não era comum, eles mereciam aproveitar. Então, divertiram-se a tarde toda. Quando saíram do cinema, ela fingiu vacilar sobre a perna esquerda, disse que havia torcido o pé e pediu a Guto que a levasse nos braços. Saíram às pressas e deixaram seus amigos esperando enquanto tentavam dar um jeito naquilo, ainda os fizeram procurar gelo para pôr no tornozelo. Zombaram muito da peça que haviam pregado nos próprios amigos, e só agora, após saírem da galeria e sentarem-se em um banco sob uma fileira de árvores no centro de uma avenida pouco movimentada, eles pensaram em se beijar. Cinco horas depois do primeiro olhar. Isso significava que tinha tudo para ser especial. Era tudo tão maravilhosamente engraçado e real, e sem dor, nem no tornozelo. Beijaram-se.
— Fiquei bestificada com o talento daquela artista plástica.
— Ela é minha mãe, por falar nisso. Ela está com uma doença terminal, um câncer incurável.
— Nossa, não parece!
— Eu sei. Ela disfarça muito bem.
— Não, eu quis dizer que não parece com você. Não parece ser sua mãe.
— Eu sei. Ela disfarça muito bem.
Já no primeiro beijo.

sexta-feira, setembro 29, 2006

NUM AR

NUM AR


eu pensei em te bater
eu pensei em te xingar
por me matar
de frio
mas o que fazer?
como vou chorar
se você sorriu?


Para Fanny, minha amiga de tantas poucas horas.

sábado, setembro 23, 2006

UM POUCO DE AFETO I

UM POUCO DE AFETO I


As luzes acenderam e todos naquela sala, de repente, viram-se despidos. Olhavam-se com um sorriso envergonhado por estarem dividindo um segredo, afinal, todos ali acabavam de tomar conhecimento dos atos selvagens que o criminoso havia cometido impunemente. Todos eram seus cúmplices.
Protegidos pela escuridão, eles observavam Gustavo dilacerar suas vítimas. Jamais poderiam imaginar que aquele garoto pacato, que no fim de todas as tardes declamava poesia para os idosos de um asilo da cidadezinha onde morava, tivesse um instinto tão violento. Encolhiam-se na escuridão, vigiavam cada passo do assassino e de suas vítimas, não faziam nada para interferir, no fundo até vibravam com os atos animalescos do matador. Viram-no torturar um homem da forma mais grotesca: arrancou sua pele com um estilete, quebrou cada dente com um martelo, furou seus olhos com agulhas, costurou sua boca, arrancou cada unha e, finalmente, decepou sua cabeça. Mas as luzes acenderam, e acenderam assim que eles viram algo que confundiu tudo. O que era aquilo que Gustavo estava segurando? A própria cabeça? Não era Gustavo quem matava e devorava os velhinhos do asilo? Foram todos despidos e a sala iluminada. Agora dividiam um segredo e eram todos culpados, sem direito a defesa.
Gustavo estava sentado na terceira fila, repetindo cada frase de efeito que o filme desfilava entre uma morte e outra, nos poemas de seu xará. “Viu só? Todo Gustavo tem algo de artista”, dizia ele orgulhoso de ser homônimo do assassino serial que o filme apresentava, e todos os que estavam consigo riam. Havia uma tensão forte na sala. Nas últimas fileiras as pessoas estavam encolhidas, de olhos esbugalhados, suspirando. Nas cadeiras próximas às paredes, onde ficam os casais que não querem assistir ao filme, era impossível fugir ao clima do ambiente, as tentativas de beijo eram interrompidas por exclamações de surpresa que se espalhavam por todos os lado, e, de tempos em tempos, ouviam-se gritinhos assustados vindos de garotas que logo eram amparadas por seus heróicos namorados. “Se eu fosse mesmo o Gustavo matava essas fresquinhas que se assustam por qualquer bobagem”, um grupo na terceira fila de cadeiras prendeu o riso, produzindo um som parecido com um espirro.
Mas algo nos últimos segundos do filme não condizia com o resto da trama, estavam todos se sentindo enganados por Gustavo, o cruel assassino traíra até mesmo seus cúmplices. As luzes acenderam e todos estavam atônitos. Como um protesto, ou como se não acreditassem que aquilo fosse o fim, a maior parte dos presentes continuaram sentados vendo as letrinhas subindo na tela, esperançosos que Gustavo fosse aparecer ali para esfolar mais alguém, mostrado que, no fim das contas, era ele mesmo o canibal. Mas Gustavo não apareceu, e não haviam mais letrinhas para subir. Os da terceira fila levantaram-se, Gustavo ainda soltou alguma piada tentando fazer com que todos saíssem daquela situação constrangedora de estar se sentindo nu. Quando cruzaram a porta de saída da sala de exibição, viram que já se formava uma fila para assistir a sessão seguinte. Observaram bem aqueles rostos inocentes, futuros assassinos que seriam traídos e acabariam tornando-se os únicos reais culpados de uma série de atrocidades. Matariam sete velhinhos, comeriam parte de seus órgãos internos e, no final, teriam suas cabeças decepadas, seriam despidos e iluminados como num palco de teatro. Estavam prestes a dividir um segredo eterno e sequer se conheciam. Cruel.

quinta-feira, setembro 21, 2006

Haicai I

Só um oco silêncio

ecoa do que não cri

cri cri cri cri

sábado, setembro 16, 2006

FURTA-COR

FURTA-COR


Assim de negro vestido
um corvo

Sobre minha pele de leo-
pardo que estou

Vou seguindo de sorriso
amarelo

E se perguntam por mim
enrubesço


Difícil me enxergar
Daqui do fim do arco-íris
Com tanto camaleão
Comendo na minha mão

domingo, agosto 27, 2006

DIÁLOGOS

DIÁLOGOS


____Comenta: Há uma linha entre nós dois.
Eu: Não vejo linha alguma.
____Comenta: As linhas invisíveis são as mais difíceis de serem vistas.
Eu: Há uma linha entre nós dois?
____Comenta: Há! E há linhas entre quase todas as pessoas.
Eu: Não quero que haja uma linha entre nós dois.
____Comenta: Não há mais!



Eu: Você demora!
____Tesouro: Mas eu estou aqui.
Eu: Não. Há uma linha entre nós dois.
____Tesouro: Isso não é nada. Eu estou aqui.
Eu: Você não entende... as linhas invisíveis são as mais difíceis de serem vistas.
____Tesouro: Você pode me tocar, não pode?
Eu: Não é tão simples. Há linhas entre quase todas as pessoas.
____Tesouro: E o que faremos? Há algo que possamos fazer para remover esta linha?
Eu: Não há mais!

quinta-feira, agosto 24, 2006

SOM, IMAGEM E DESENHO

SOM, IMAGEM E DESENHO


Faça-me de acento
Em seu grito agudo
´
Insulte-me em tom grave
`
Indicando minha crise
Mas pare neste ponto
.
Tranque-nos a chave
}
Beije-me e trema
¨

sábado, agosto 19, 2006

... DE UM DEUS

canção destinada ao meu destino:




... DE UM DEUS

Intro.: Em Am C B7

Em_______________Am
Mais perigoso que cocaína
e coca-cola
Em______________Am
Mais forte do que heroína
______C_ B7_ (Intro)
o meu herói

Em_______________Am
Mais viciante que chocolate
que chá com leite
Em_______________Am
Mais importante que a via-láctea
_________C _B7_ (Intro)_ Em _Am_ C_ D7
minha via-crúcis

Am________D7
E os meus olhos
___________Em___C7___D7
vermelhos de te ver e procurar
Am________D7______________C
de repente já não conseguem mais olhar pros lados
___Am___________________C_ B7_ Em_ Am
E o que não vejo você quer me dizer
C__B7__Em___Am _C_ B7
me dizer... vem


Em_______________Am
Mais perigoso que cocaína...

E os meus olhos
cansados de te ver e procurar
de repente já não conseguem mais olhar pros lados
___ Am
E o que não vejo você quer me dizer?
______C
Ou sou eu que fantasio coisas
____Am_____________C_ B7_ Em
que nem sequer sabes o quê?
Am_ C__ B7_ Em_______ Am_ C_ D7
não sabes o quê e nem porquê
Am________D7
E os meus olhos...

(Intro)

Eu idealizei você
E foi minha melhor idéia

quarta-feira, agosto 16, 2006

LUCIDEZ

Gente que só a porra naquele ônibus
Amanheceram tudo dormindo...

(Poema endereçado a mim na fala de um louco no ônibus
— olhavam-no com repulsa só por ele ser louco
e por chacoalhar a cabeça como fazem os gatos
mas não percebiam que tudo fazia parte do ritual do pensar
— fiquei lisonjeado!)

sexta-feira, agosto 11, 2006

GUARDA-CHUVAS

GUARDA-CHUVAS


Quando chove, Maceió fica mais colorida do que na primavera. É só sair nas ruas durante um chuvisco para se ver diante de um desfile de guarda-chuvas diversificados e esquisitos, que contrastam com o clima nublado que se reflete nos rostos das pessoas incomodadas pelo frio e pela falta de saneamento que respinga em suas calças.
As ruas do centro da cidade ficam repletas de ofertas tentadoras.
- Temos de todos os preços e tamanhos.
- Eu quero um desses, moço. Quanto é?
- Três pra levar e cinco pra abrir antes!
Tentador! E, onde eles não estão, a tristeza governa. As janelas embaçam em lamento, como se dissessem "saiam daí de dentro, venham contemplar a chuva!". E os que não se sentem atraídos pela solidão trancafiada estão embaixo de algum destes guarda-chuvas. Zeca Baleiro canta "amores secretos debaixo dos guarda-chuvas" e eu me pego imaginando toda a beleza mística deste objeto. É incrível como todos se tornam misteriosamente atraentes quando sob esse inventivo instrumento.
Guarda-chuvas grandes, pretos, pontudos e de cabos sinuosos sobre as cabeças de pessoas sérias. Sombrinhas floridas sustentadas por mulheres sorridentes. Cor-de-rosa, azul e estampado. São verdadeiros desfiles ao ar livre, os dias de chuva. Alguns deles são enormes, mas com uma única pessoa embaixo, e outros minúsculos protegendo duas ou mais. Não há dúvida de que eles possuem um poder de unir as pessoas. O número de abraços cresce consideravelmente durante os dias de chuva devido à aproximação necessária para que duas pessoas abrigadas sob o mesmo guarda-chuva não se molhem. São verdadeiros criados do amor, os danados!
Nosso guarda-chuva pode falar muito da gente. O meu, por exemplo, é pequeno, preto e barato. Quando bate um vento qualquer, por mais fraco que seja, ele já ameaça desmontar. Em uma semana de uso ele já havia desbotado e quebrado um dos talos da sua armação. Ele não consegue me proteger se a chuva é forte. Meu guarda-chuva me denuncia.

sábado, agosto 05, 2006

ELETRICIDADE

eletricidade



ELETRICIDADE
Para Luciana


________do teu cabelo voam
____fios de alto tesão
________que colam em minha boca
____tomada de paixão


________lâmpada orgânica
____________e dor elétrica!



Alguns versos são links para fotos que tirei inspirado na poesia, basta clicar e conferir!

domingo, julho 30, 2006

ECLIPSADO

ECLIPSADO


Eu não te suprimo
quando te exprimo

Tu não és supremo
quando te espremo

O que dizia?
Tu sóis: fugaz
Eu luas: de perdas
Nós eclipses: gases de pedra

domingo, julho 23, 2006

P A L A V R A D O R

P A L A V R A D O R


palavra que larva
dor

lavrador que sou
plantei em mim
um dicionário
univocábulo

palavra: dor
substantivo sujeito
a traças

sexta-feira, julho 21, 2006

ELOGIOS

ELOGIOS
(Para Isabella)


— Ai que bom que você chegou, não via a hora de falar contigo!
— Por que você escolheu esse restaurante? É tão sem cor...
— Venha, sente-se. Não importa o restaurante, eu preciso te contar uma coisa...
— Você ainda não pediu nada pra beber?
— Eles estão trazendo vinho.
— Que bom!
— Amiga, o Caio foi embora e levou todas as coisas dele, estou perdida.
— Sério?
— Sim, foi ontem durante a noite...
— Que horror! Nossa, será que vão demorar muito a trazer esse vinho? Estou morrendo de sede.
— Ele disse que estava se sentindo sufocado.
— Sei... espera. Garçom!
— Pois não, senhora?
— Você pode me trazer o cardápio junto com o vinho que já pedimos?
— Claro. Só um instante.
— Acho que conheço esse garçom de algum lugar.
— Amiga, o que eu faço? Eu não consigo viver sozinha naquela casa. Ele levou a televisão também...
— É complicado...
— E este problema de desemprego, você sabe, como vou me sustentar?
— Aqui está o cardápio, senhora. E o vinho.
— Obrigada. Hum... muito bom vinho!
— Qualquer coisa é só me chamar.
— Adorei esse garçom. Mas continue, amiga, o que você falava mesmo?
— Eu disse que não sabia como me sustentar. Você bem que podia tentar arrumar um emprego pra mim lá na fábrica do teu pai, né?
— Papai anda distante, não me ouve. Mas você pode ir morar lá em casa.
— Não sei. Se ao menos meus pais me aceitassem de volta, mas quando liguei pra eles meu pai lembrou-me aos gritos que havia me expulsado de casa e não aceitava devoluções.
— Porco.
— Meu pai?
— Não, pra comer. Eles não servem porco?
— Não, Rebeca. Isso é um restaurante de comida japonesa.
— Ah! Por que viemos pra cá?
— Esqueça o restaurante. Eu, na verdade, só queria que o Caio voltasse. Não preciso sair daquela casa, só preciso que ele volte.
— Mas se ele estava se sentindo sufocado... nossa, eles têm bolinhos de arroz! Eu adoro bolinhos de arroz! Vou pedir dezenas desses. Garçom!
— Não tenho apetite.
— Ele deve ter outra.
— Quem? O Caio?
— Claro! De quem estamos falando?
— Já nem sei mais, amiga.
— Ele é tão fofinho!
— Eu sei, eu o amo.
— Estou falando do garçom. Garçom!
— Posso ajudá-la, senhora?
— Sim! Nós queremos cinco desses bolinhos de arroz e os melhores peixes crus que vocês tiverem para nos servir.
Sushi?
— Cinco!
— Não demoraremos a trazer.
— Obrigada.
— Meu Deus... será que foi aquela biscate do escritório dele?
— Secretária?
— Sim.
— Sem dúvida! Eles adoram secretárias.
— Vou matar ela! Estou desnorteada.
— Gostou do meu cabelo?
— Seu cabelo?
— É. Mudei um pouco o penteado. Puxei mais pra esquerda, vê?
— Aham...
— Está lindo, eu sei!
— Rê, eu tenho que dar um jeito na minha vida. Estou muito dependente deste homem!
— Espera, vou no banheiro e já volto!

(Quinze minutos depois)
— Por que você está chorando, amiga? Aconteceu alguma coisa enquanto eu saí?
— Meu mundo desmoronou... sou praticamente uma indigente!
— Não fica assim... e essa comida que não chega!
— O que eu faço? Não sei trabalhar em nada!
— Já sei! O cabaré!
— O quê? Você está enlouquecendo, Rebeca!
— Não. Lembra que uma vez fomos atrás do meu irmão no cabaré pra avisar que a mulher dele havia descoberto sua infidelidade?
— Onde você quer chegar?
— Foi lá que eu vi esse garçom! Acho que ele é amigo do Gu.
— Rebeca, minha vida está estraçalhada e você fica pensando nessa merda desse garçom!
— Calma amiga, também não é pra tanto.
— Não é pra tanto? Fui abandonada pelo homem que amo, minha família não me aceita de volta, minha melhor amiga não me ouve, não sei trabalhar em nada e meu cartão de crédito estourou. Minha geladeira só tem luz. Não tenho o que comer em casa!
— Peraí, amiga. Você não tem dinheiro pra pagar a conta do restaurante?
— Não tenho uma moeda sequer!
— Ave Maria! Vamos embora que eu não trouxe o cartão de papai!

sexta-feira, junho 30, 2006

RECEITA

RECEITA




  • É preciso desligar o cérebro um pouco. Raciocinar apenas sobre coisas desimportantes. Passar horas pensando, por exemplo, em como são breves os mosquitos. É preciso aprender ao avesso. Desocupar a mente com ocupações dementes.

  • É recomendável que jogue frases ao ridículo. Encontrar-se com amigos mais íntimos e despreocupar-se quanto aos erros de gramática e de conteúdo. É extremamente saudável que se tenha com quem dizer nada. Mas cuidado, muitas vezes há resquícios do que se esquece no que é dito, portanto, previna a todos e previna-se.

  • Você pode ficar só, mas nunca em seu quarto de portas fechadas e luzes apagadas. É preferível que se fique só no meio de alguma multidão. Não que seja menos triste, é meramente uma forma mais acelerada de se alcançar a amnésia seletiva.

  • Reconfortante não é ler nem ouvir uma boa música, mas sim tomar banho de rio. Aconselho que se tome banho de rio com crianças sempre que impossível.

  • Beber álcool, para os que gostam, é perigoso, pois pode ser benéfico ou simplesmente induzir uma recaída desnecessária. Sendo assim, é melhor que se coma chocolate ou que se chupe limão para evitar pensamentos desviados.

  • Olhar de canto, qualquer canto. De algum canto você sai! Como desviar de um pingo de chuva para ser molhado por outro. Isso tudo não passa mesmo de uma bela e incansável tempestade. E não se importar com as imagens repetidas (estas também são incansáveis).

  • Essencial é calar quando se fala. Deixar de molho suas idéias deliberadamente implantadas. Fingir que não se sabe a origem do que herdou daquilo que em breve deixará de existir.

  • O sexo é necessário (este tópico não sofre risco de oposição e não carece de explicações).



Depois destes passos, esfrie no congelador durante duas semanas. Após esse tempo seu coração estará frio e pedrado. Tire-o e jogue numa bacia com água fervente. Livre das impurezas e amolecido pelo choque térmico, estará pronto para outra queda.








acordo mar



quando sol
a cor do mar
quando mal
acordo só

sábado, junho 10, 2006

IMAGEM PALAVRA

AS MALABARÍSTICAS E INGENIAIS VIDAS INVENTADAS DE CÉSAR COMENTA, O SEM-MEMÓRIA

"Comenta gostava de sentar-se à beira do rio às vezes, sempre sozinho. Eu o observava da varanda. Seus pés dentro d’água e as mãos brincando com as pedras. Esporadicamente arremessava algumas no rio e tentava buscá-las a nado. Nunca interrompi estes momentos de solidão, achava prudente deixá-lo com suas memórias inacabadas. Certa vez ele me viu observando sua cumplicidade com o rio e acenou para que eu fosse a seu encontro. Imitei seus gestos de pernas molhadas, um pouco desajeitado por invadir o casulo de alguém, mas também feliz por fazê-lo. Lembro-me bem deste dia, Comenta ostentava uma aparência branda, de sorriso leve e contínuo, e segurava uma rosa triste. Foi a primeira vez que me falou sobre o Cavaleiro Rubro."

Absorto na degustação das idéias que me atormentam sobre o que escreverei e que, na verdade, já fora escrito. Ando meio desligado, sentindo os meus pés num chão de aquém-memória-além. É só um livro. Livro me.



flor triste

quarta-feira, maio 24, 2006

SONETO PRA VOCÊ

MEU BEM


Sendo você meu bem
o que haverá de mau?
E eu quem serei, ou qual,
sendo você, meu bem?

Se perguntarem quem
me tornei, ou se qual,
digo que estou normal,
digo que estou alguém.

E, já que é você, bem meu,
o que encontrou em si,
nestas palavras leu

o que virei aqui,
grita que foi só eu
que descobriste em ti.

quinta-feira, maio 18, 2006

DESVIO

POESIA


- Eu acabei de te conhecer, logo após ter te conhecido e vindo de sucessivas vezes que te conheci e nem lembro quantas. Parece que já te conheço de algum lugar (antes de ter te conhecido, que fique claro), porque não me é surpreendente esse seu jeito inovador de me deixar atônito, nem é assustador esse seu ar sombrio com que me queima a carne.
(Que leve, você sorrir assim, já havia feito isso antes?)



PROSA


Preocupada consigo
A tarde seguia

Passarinhos pousaram a seu pé
Seu canto não comovia
Em marcha de ré
A tarde seguia

Choveu um bocado só pra ver
Se alguma coisa ela ouvia
E, sem perceber,
A tarde seguia

Um homem chorou de dor demente
Pranto que a terra não lambia
Indiferente
A tarde seguia

Vieste tu e tocaste de leve
O rosto deste fim de dia
O instante breve
A tarde seguia

E, deixando o mar em cor de trigo,
Por essa mão já se perdia
Abraçada contigo
A tarde dormia

sábado, maio 06, 2006

PALAVRAS CRUZADAS

PALAVRAS CRUZADAS


Estou querendo dizer algo alegre... porque parece que tenho um esguicho de ilusões mórbidas, e eu hoje estou de sorriso convalescente, ou melhor, etéreo. Então eu vou sim dizer algo animador, e, por favor, não se assustem se parecer que sequer fui eu quem escreveu, já que, em mim, as frases têm o ditoso costume de se formar com palavras em ordem soturna (contraditório?). Mas eu vou pronunciar qualquer coisa de felicidade que de meu corpo teima escorrer em forma líquida de letras, não se assustem.
Primeiro convenço a mim mesmo de que posso fazê-lo, e sei que posso. Corro atrás de cada letra fugidia, de cada vocábulo brincalhão, difícil lidar com esse tipo de palavra, elas podem ser grandes companheiras, mas são orgulhosas e não são fáceis de conquistar. Consigo capturar uma interjeição no alto de uma pilha de vogais, a exclamação a denunciou. Depois encontro um artigo escondido atrás de uma árvore, que me mostra dois travessões disfarçados de folhas (artigos costumam ser dedos-duros, sempre denunciando os substantivos). Vejo uma palavra dando sopa na beira de um rio de sílabas átonas, mas, quando salto pra capturá-la, acabo tonificando as sílabas e na confusão deixo escapar uma das letras da palavra que perseguia, deformando-a e fazendo com que ela chore por ter perdido toda a felicidade que continha. Ainda consigo pegar um ponto cansado e uma parte oca de um verbo que se desprende de um casulo. Algumas letras começam a me rodear cantando e dançando, no começo penso em um modo de raptá-las todas de uma vez, mas percebo que seria impossível. Então, entro na roda e canto sem notas e orações, elas sorriem e me acompanham deliberadamente. Considero minha frase suficientemente composta... vamos ver se está feliz o bastante:

___arde__oco______________— a_______ver__o céu. Ah!

Confesso que meu mau-costume de ver entusiasmo na tristeza nem me fez perceber o quanto a frase lamentava. Foi o arde, que continuava a resmungar pela perda de sua primeira letra, quem me alertou para a escuridão da imagem. Procuro, então, soluções para minha triste frase feliz, não achei que seria tão difícil lhes dizer algo entusiasmante.
Estou andando sem destino e nenhuma consoante sorri, estou quase perdido e de olhos fechados quando esbarro em algo que cruza meu caminho. Com o choque, a pequena preposição cai desprotegida, eu a abraço. Quando a levo para junto da minha frase, ela cisma com um artigo que, segundo a própria, está mal alinhado e precisa de força comunicativa. Foi daí que eles comungaram e desalinharam ainda mais minha oração, o que animou a evolução da informação. Depois, sou interceptado por um verbo apressado que procura "o formador da frase alegre". Eu logo aceito que este deve ser eu, e dou a ele o aconchego que procura, ouvindo-o reclamar de sua rígida conjugação pretérita... será difícil solucionar este problema, mas ele mesmo sorri quando entende que deve juntar-se a um verbo que já se dispunha no lugar e que, unidos, formarão outro com sentido diferente do que ambos carregam. Por último, escuto um zumbido acompanhado de asas enormes que rodeiam um arbusto por aqui. Não consigo entender do que se trata, apenas ouço o zumbido e vejo o bater das asas. Sento em frente ao arbusto e medito por horas. Que lição! Palavra é imagem, eu me digo. Bastou que eu percebesse que se tratava de um inseto e o nome saltou sobre mim, rolando na grama e compondo o que eu considero ser minha frase feliz já completamente formada. E assim ela fica:

___arde__oco__— inseto______— a______viver do céu. Ah!

Comemoro bobamente o que parece uma celebração satisfatória da beleza. Algumas palavras sorriem comigo, mas não o arde. Este chora e estrebucha pedindo que eu encontre sua letra perdida, chama-me de burro, e aponta para uma falha substancial: o inseto oco perambula na agonia, não no gozo. As palavras cochicham, concordam, e eu nem tenho tempo para pensar que sou o mais feliz dos poetas.
Volto a procurar soluções para minha difícil construção frasal, e já começo a pensar que não sou capaz de tamanho invento. Não sou possuidor da melhor das estimas. Navegando nestes pensamentos quadrados, ouço um clique sob meus pés e, ao baixar os olhos, descubro que estou acionando a denotação de uma palavra, fazendo ela nela. O mesmo ela entra para minha frase como ação que estranha o todo (algo muito feliz de se fazer com denotações). Continuo minha busca, agora quase labiríntica, até que encontro quatro letras agonizando sob a sombra de uma rocha de imperativos. O arde começa a saltar de alegria ao rever sua parte faltosa, e volta a ser tarde. Duas das outras letras imprensam o vazio da imagem e sensibilizam, profundamente, a acidez de um verbo. A última das letras agonizantes artiga-se e vem apontar para minha criação como se dissesse, através de mim, "vejam o que eu estou pensando".

A tarde tocou — inseto______— a tecla viver do céu. Ah!

Agora eu sei que o dito não é melancólico. Mas o inseto está preso de uma forma inquietante dentro dos travessões, está quase deslocado do resto da frase, e isso me incomoda. Não estou satisfeito, já sei que é muito complicado achar alguma real satisfação em mim. O gargalhar das letras não permite mais que eu procure soluções para as deficiências da minha invenção gramatical, fico apenas a admirá-las.
Um corpo senta próximo a mim e pergunta como a tarde toca a tecla. Olho para o ser ao meu lado, mas não há ninguém ali além da voz que repete a pergunta. Como a tarde toca a tecla? Passo muito tempo pensando em como a tarde poderia tocar a tecla, se vou qualificar o toque, é preciso um advérbio. Mas qual? A inquietude do inseto continua a me causar incômodo e, enquanto encaro aquela prisão de travessões, um nome toma meu corpo, ao que eu cuspo uma significação sobre o inseto. E eis que se forma um advérbio e minha frase se completa:

A tarde tocou — insetamente — a tecla viver do céu. Ah!

E, assim, digo-lhes algo de feliz que, hoje, habitou em mim.
Mas permita que eu lhes conte um segredo:

Acredito que existe uma voz de outro poeta neste verso meu.

Mas isso é segredo nosso!

quinta-feira, abril 20, 2006

ORA...

ORA...


Eu conhecia muito bem um quarto que só freqüentava à noite e com as luzes apagadas. Os móveis não pareciam mudar de lugar nunca, eu os sentia, conhecia cada centímetro daquele quarto só de tocá-lo. Havia coisas jogadas pelo chão, eu sempre tentava arrumá-las, mas elas eram mais pesadas do que aparentavam, ou aparentavam ser mais pesadas do que eram. O fato é que eu não as conseguia mover tanto quanto desejava, e o quarto, sempre que eu voltava, estava mais uma vez desarrumado.
Todas as noites eu costumava regressar ao quarto, exceto quando ele já estava ocupado por outra pessoa, e tentava deixar resquícios meus nele para que pudesse torná-lo ainda mais seguro para meus pensamentos, já que estes tinham o estranho costume de flutuar pelos cantos do lugar e pular sobre a cama. Aos poucos fui me acostumando à iluminação do local. Havia uma pequena vela, no início até mesmo tímida, que representava o papel de cúmplice da minha cumplicidade com aquele quarto. Com o tempo seu papel foi crescendo, seguido de sua chama, e aquele quarto, tão escuro e tão conhecido, ganhava agora também cor. Era apenas a cor que a vela permitia que ele tivesse, eu sei, mas a vela, melhor do que ninguém, conhecia aquele ambiente, sempre esteve lá, sobre o objeto mais valioso e bem conservado ali, um criado-mudo trabalhado à mão. Cheguei a desconfiar que o próprio quarto houvesse fabricado aquele objeto para agradecer à vela. Assim, somente aquela vela poderia revelar a verdadeira cor que o quarto emanava, confiava na vela mais do que em meus olhos ou na luz do Sol.
Eu já não conseguia deixar de ir àquele quarto deitar minha cabeça no tão confortável travesseiro de palavras, estava escravizado pelo conforto que ele me proporcionava, e isso não me agradava completamente, faltava que eu levasse conforto ao quarto. Comecei levando a vela, junto com seu criado-mudo, a outras partes do recinto. Além de saber que aquilo agradava ambos, também me permitia recolorir as partes do todo, afinal, cada movimento da vela revelava novas faces daquele lugar. Este costume passou a me deixar uma impressão de cobrança no flamejar da vela. Ela queria explorar locais onde eu não conseguia levá-la, como embaixo da cama, e eu queria satisfazê-la, e, mais do que isso, queria, tanto quanto ela, conhecer estes lugares com todos os olhos que me eram permitidos enxergar. Nisto, e chegando à este ponto peço que prestem bastante atenção, eu tentei levar a vela (sem a escrivaninha) para debaixo da cama, como primeira tentativa inusitada de exploração, mas, assim que tive a primeira quase-visão do desejado, a vela cedeu ao estranho e se apagou. Deixei aquela luz de lado e resolvi tatear. Buscava ansioso, sem jeito, perdido, acalmando os pensamentos que, àquela altura, já estavam loucos para saltar através da poeira debaixo da cama.
Eis que tateio algo feito em madeira, uma caixa, de tamanho não muito grande, no entanto muito pesada. Mas aquilo eu não deixaria passar, não depois de ir tão longe, eu tinha que conseguir deslocar aquela caixa e descobrir o que ela guardava. Foi uma eternidade, quase a noite toda, até conseguir remover a caixa e abri-la, ao que ela respondeu com um rangido de reclamação. A caixa trazia papéis que eu não podia ler, não sem a luz da vela. A vela se recusava a acender. Forcei minha visão próximo à fresta da porta, que era o único resquício de luz no quarto, ou era o mais próximo de uma lembrança de luz que me hipnotizava na ilusão de vê-la. Reconheci versos, declarações, confissões, e naquela madrugada eu pude sentir o prazer de reconfortar o quarto que me tranqüilizava.
No dia seguinte fui ao quarto com versos meus escritos em metade de um papel e o coloquei dentro da caixa, a qual havia guardado ao lado da vela, cuja luz agora parecia ainda mais intensa. Naquele dia relaxei profundamente e meus pensamentos tiveram crises de risos constantes que iluminaram meu refúgio. Quando reabri a caixa, retirei os papéis e não fiquei muito surpreso ao perceber que haviam mais versos escritos do que os que eu havia posto no papel. Li as palavras do quarto para que minha cúmplice de cera em chamas sorrisse. Passeei a vista pelo cômodo e sussurrei para que ele não me ouvisse:
- Ora, já era hora!
Hoje, escrevemos poesias juntos, e a vela nos ilumina e identifica nossos versos através do intenso calor de sua chama. Mas também se apaga sempre que possível, para que meus olhos digam-na como é o quarto quando ela não o está iluminando.

sexta-feira, abril 14, 2006

DIA DIANA



Canção


Dia Diana

Diana cedeu às sombras da cidade
Diana rompeu a linha da vaidade
E não entendeu toda a felicidade
Que aconteceu no dia da verdade
No seu celular o nome do amado
No seu rebolar murmúrios do passado
Não soube lembrar do riso sem disfarce
Não soube cantar no dia da verdade

Quem agora você é?
Qual nome agora tem?
O que esconde e o que quer?
Diana, qual é?

terça-feira, abril 11, 2006

LEITE DE LETRA

LEITE DE LETRA


>> Precisamos de tratos para nos tratrar <<

Sobre o nome do blog não há muito o que dizer além do que já se imagina. Que talvez haja alusões eróticas eu até acredito, mas Leite de Letra nasceu mesmo da intenção de extrair sumo significativo de cada mínima parte de uma palavra. Chupar leite das letras, aquilo que elas têm dentro de si e que muitas vezes passa despercebido, sua falta de sentido, sua oposição dentro dela mesma, ou qualquer outra possibilidade inusitada que uma perninha do a possa induzir.

É simples, amigo
basta me acompanhar.
Segura bem esta divina teta
não se preocupe com a poesia
não se preocupe com o resultado
tudo jorra.
É simples, meu amigo
você acaricia com cuidado
às vezes as letras saem sem matemática
cheias de nata
não as limpe. Assim
cheias de nada
branquinhas
elas formam as melhores palavras.
É simples, amigo
ponha o líquido em ordem de apreensão
mas não se preocupe com a compreensão
se não conseguir ler
beba!

>> Dificultar a felicidade achando que pode ser mais feliz superando uma decepção criada por si mesmo <<

domingo, abril 09, 2006

SOLIDÃO E SEUS NÍVEIS

SOLIDÃO E SEUS NÍVEIS


São kilômetros de solidão para os animais noturnos se deleitarem. Cá dentro existe um impeenchível vazio que se alimenta da minha sanidade. Mas quem proclamou que solidão é sinônimo de tristeza? Existem imagens tristes que a solidão orna, no entanto, é a mais pura felicidade de estar só em si, e, portanto, podendo-se doar em plenitude, o que a solidão sã causa.
Estou em estado de espera sonolenta, de descoberta frágil, de medo e redenção simultâneos. Qual a posição de um solitário quando deseja o outro? Existe nele uma tendência a se amar ou ignorar ao extremo. Se deseja alguém, pode correr o risco de tratá-lo com uma deslocada indiferença ou desejá-lo mais do que a si próprio (e até os dois num só).

Perfil deste ambíguo solitário:

  • Carregando muito mais peso do que precisa, ele tem uma curvatura típica;

  • Seus olhos possuem uma atração incontrolável por tetos e chãos;

  • Possui uma disfunção nas frases que as leva inevitavelmente à construções intimistas. Dificultando a compreensão do receptor;

  • Espera conseguir o que não tenta;

  • Sua aura perpassa o local onde está;

  • Aparenta não habitar o próprio corpo, pois sempre transmite uma impressão de não-plenitude de presença física e emocional;

  • A arte o satisfaz, substituindo-o.

  • >> Se você possui algumas destas características, não se preocupe, nem todo solitáro (como já foi dito) é triste <<

    quinta-feira, abril 06, 2006

    METABLOGAGEM INTRODUTIVA

    METABLOGAGEM INTRODUTIVA

    Como primeira sucção letral deste blog, fez-se necessário relatar a desventura de criá-lo. Seja por ter de conhecer códigos, além dos consensuais já tão presentes através de gramáticas ou culturas, ou de refletir mecânicamente, um árduo caminho se traça nesta empreitada multimídia. Entre HTMLs e coisas sem nome que eu poderia neologizar (como acabo de fazer), percebo que é de prática que tudo se cria, até mesmo a palavra. Qual o problema de não saber nomear cada parte deste corpo eletrônico se posso controlá-lo perfeitamente? Qual o problema de não saber nomear corretamente meu próprio corpo se ele, pra mim, é ser antes de idéia? Para que codificar a natureza antes de sentí-la? Não há exemplo maior que viver. Talvez seja da prática que a redenção venha, de uma prática inteligente e não da robotização informacional que uniformiza cada uma dessas pessoas que estão andando por aí e por aqui.
    Mas por que declaro tudo isso? O efêmero sentimento de conquista é maior do que o do fracasso que o precedeu. Então, este monólogo metabloguístico (lembrando que a palavra nasce do uso para o consenso) nada mais é do que uma dispensável introdução que não reflete a minha real alegria em estar abrindo mais uma vez meu blog e minha vida, de uma forma muitas vezes egoísta e irracional, para uma multidão voyeur ou um parceiro imaginário.


    Mapa do Blog

    Descrevendo rapidamento o blog, apenas para fins de melhor percepção das informações nele contidas:
    As postagens ficam na parte esquerda e são a coluna vertebral da página. Do lado direito, além de informações sobre o autor dos textos (eu mesmo), haverá sempre um poema que acompanhará a temática do blog, prevista para mudar mensalmente. À princípio, o tema é "mãos", que, seguido das fotografias, traz a poesia "Toque Cego". Portanto, espero que gostem dos textos das postagens e das poesias temáticas, além das mudanças de layout que acontecerão de acordo com o tema.
    Sem mais, sejam bem-vindos!