quinta-feira, novembro 30, 2006

PILOMBETA E A LUPA MÁGICA

PILOMBETA E A LUPA MÁGICA


Em seu aniversário de oito anos, Pilombeta ganhou da avó uma linda lupa cor-de-rosa. Decepcionada, a menina passou três dias triste, andando pra lá e pra cá com sua lupa inútil, até descobrir que aquele não se tratava de um objeto comum. “Essa lupa é mágica, Pilombeta, não acredito que ainda não tenha notado! Vamos, faça um teste, aponte sua lupa cor-de-rosa para o céu azul e veja o que acontece. Mas mire diretamente no sol”. Foi o que a menina, cabisbaixa e desacreditada, fez. Dois minutos de lupa apontada para o sol e nada de mágico viu Pilombeta acontecer. Talvez a distância estivesse dificultando a ação dos elementos mágicos, então ela decidiu subir o morro atrás de casa para ficar mais próxima do sol. De cima do morro, lupa levantada captando o globo de fogo, a menina inflamou de alegria ao ver que uma sombra engolia, aos poucos, a luz solar. Os minutos passavam e a sombra crescia cada vez mais, de um lado para o outro, como se uma porta estivesse sendo fechada na frente do sol, até o momento em que este se apagou por completo. Pilombeta havia apertado o interruptor da lâmpada do planeta.
A escuridão tomou conta de tudo, mas não era a mesma da noite, era um escuro semiluminoso, como se tudo estivesse à luz de velas. Encantada com seu presente maravilhoso, a detentora da iluminação do mundo pensou em voltar para casa e mostrar à sua avó o que fora capaz de realizar, mas logo sua responsabilidade sobre tudo o que se abatera ao redor da Terra despertou-a para os problemas que aquela escuridão fora de hora poderia provocar, podendo ela ter colocado inúmeras pessoas em situações perigosas, perdidas em locais obscuros. Em verdade, a própria menina tinha um certo medo do escuro e não tinha coragem de descer o morro sem a luz do sol para transmitir-lhe segurança. Foi então que voltou a erguer sua lupa mágica e apontá-la para o sol preto, a fim de fazer com que o mesmo voltasse a acender. E assim aconteceu. Da mesma forma como a sombra houvera surgido, agora a luz, lentamente, engolia o círculo negro de um lado para o outro. Em poucos minutos tudo havia se normalizado. O planeta voltara a se iluminar — a porta reabrira ­— e imensa foi a felicidade de Pilombeta por possuir extraordinária magia capaz de apagar estrelas. Manteve-se ali com sua lupa fixada no sol por duas horas, até que ele se pôs e ela, aliviada, se sentiu pronta para enfrentar a escuridão da noite morro abaixo e voltar para casa.
Teve a mais feliz de todas as noites de sua vida, submetendo tudo e qualquer coisa à lente de sua lupa. Gabou-se de seus poderes até a avó cair no sono, e quando finalmente sentiu o corpo cansado e o braço dolorido resolveu deitar-se e esperar o alvorecer. Foi nesse momento que Pilombeta se viu diante do maior dilema de sua vida: até que ponto sua magia havia interferido no andamento habitual do sol? Poderia o astro continuar a nascer e se pôr normalmente sem o acompanhamento de sua lupa? Questões como essas martelaram a cabeça da pobre menina durante toda a madrugada até que os primeiros raios de sol começaram a iluminar o céu, fazendo-a correr até a janela para ver o globo luminoso erguendo-se no horizonte. No entanto, com o olhar fixo nas árvores ao longe, nada viu Pilombeta além de um bando de morcegos procurando abrigo antes que o dia despontasse. A menina começou a ficar preocupada, então pegou sua lupa e subiu o morro para procurar alguma pista do sol que tentava iluminar o céu daquela manhã preguiçosa. O tempo parecia não correr. Ela poderia jurar que, desde sua chegada ao topo do morro, horas haviam se passado e sequer um fiapo do sol surgira no horizonte, portanto decidiu, mais uma vez, usar sua lupa mágica. Com seu objeto encantado apontado para o horizonte, Pilombeta viu a esperada estrela nascer exatamente no ponto central que a lente da lupa captava. Este foi o momento crucial que interferiu em toda a vida da menina, que, certa de seu encargo, guiou a ascensão do sol pelo céu, acompanhou todo o arco que ele desenhou sobre as cabeças da cidade e acalentou-o quando ele se pôs, dando lugar à noite. Estava exausta. Não desceu o morro. Comeu uma manga e dormiu sem limpar os dentes.
A avó de Pilombeta pediu que alguns garotos subissem o morro para convencê-la de voltar para casa, pois era um absurdo ficar tanto tempo ausente, já havia se passado mais de uma semana, desse jeito ela acabaria tendo uma insolação, desidratação ou coisa pior. Porém, o que a avó não entendia é que Pilombeta já havia contraído a tal da insolação. A menina estava toda tomada de sol, sua vida dependia dos movimentos delicados daquele corpo celeste, ela tinha plena consciência de seu dever com o universo e adorava segurar na mão do sol e levá-lo pelo longo caminho céu afora enquanto o dia se estendia. Possuía a certeza de que o astro dependia da magia de sua lupa e tremia toda de felicidade por ser uma criatura tão importante no meio de tanta gente sem foco. Tinha pavor da imagem do sol estancado no céu, ou mesmo dele perdido no universo, caso ela, por qualquer descuido, não guiasse seu caminho diário pelo firmamento. Já não dormia mais. Encontrava-se completamente sujeita e subjugada ao poder que lhe fora imputado. Estava sob a ação do sol. Insolação.
Com o passar do tempo, o corpo de Pilombeta já não conseguia acompanhar os desígnios de sua alma. Teve heliose, cegueira e câncer de pele, morrendo preta e esquelética. Diziam que havia cometido suicídio, que sua atitude fora burra e que não houvera amado a própria vida, e, sendo assim, não merecia sequer ser enterrada. Deste modo, abandonaram seu corpo, sem sequer tocá-lo, no local onde havia tombado: no alto do morro, com uma das mãos erguida a segurar a lupa cor-de-rosa. Era impossível que eles compreendessem a felicidade de Pilombeta. Dificilmente perceberiam quão grande é a alegria de se ter apagado, uma vez que seja, a luz do mundo e jamais entenderiam que, para Pilombeta, aquele instante de êxtase extremo já fazia valer à pena quantas vidas lhe fossem concedidas.
A detentora da iluminação do planeta morreu numa tarde de eclipse total do sol, maravilhoso espetáculo que começou no momento exato de sua morte. Depois daquele dia o sol voltou a se pôr e nascer normalmente, carregado de matemática e despido de toda a magia que houvera obtido em razão do olhar de Pilombeta. Onde o corpo da menina apodreceu, brotou um belíssimo campo de girassóis.

Um comentário:

Anônimo disse...

humm...
good job, beibe.
hehe
perto da Pilombeta eu me sinto a mosca do cocô do cavalo do bandido.
=/