sexta-feira, junho 30, 2006

RECEITA

RECEITA




  • É preciso desligar o cérebro um pouco. Raciocinar apenas sobre coisas desimportantes. Passar horas pensando, por exemplo, em como são breves os mosquitos. É preciso aprender ao avesso. Desocupar a mente com ocupações dementes.

  • É recomendável que jogue frases ao ridículo. Encontrar-se com amigos mais íntimos e despreocupar-se quanto aos erros de gramática e de conteúdo. É extremamente saudável que se tenha com quem dizer nada. Mas cuidado, muitas vezes há resquícios do que se esquece no que é dito, portanto, previna a todos e previna-se.

  • Você pode ficar só, mas nunca em seu quarto de portas fechadas e luzes apagadas. É preferível que se fique só no meio de alguma multidão. Não que seja menos triste, é meramente uma forma mais acelerada de se alcançar a amnésia seletiva.

  • Reconfortante não é ler nem ouvir uma boa música, mas sim tomar banho de rio. Aconselho que se tome banho de rio com crianças sempre que impossível.

  • Beber álcool, para os que gostam, é perigoso, pois pode ser benéfico ou simplesmente induzir uma recaída desnecessária. Sendo assim, é melhor que se coma chocolate ou que se chupe limão para evitar pensamentos desviados.

  • Olhar de canto, qualquer canto. De algum canto você sai! Como desviar de um pingo de chuva para ser molhado por outro. Isso tudo não passa mesmo de uma bela e incansável tempestade. E não se importar com as imagens repetidas (estas também são incansáveis).

  • Essencial é calar quando se fala. Deixar de molho suas idéias deliberadamente implantadas. Fingir que não se sabe a origem do que herdou daquilo que em breve deixará de existir.

  • O sexo é necessário (este tópico não sofre risco de oposição e não carece de explicações).



Depois destes passos, esfrie no congelador durante duas semanas. Após esse tempo seu coração estará frio e pedrado. Tire-o e jogue numa bacia com água fervente. Livre das impurezas e amolecido pelo choque térmico, estará pronto para outra queda.








acordo mar



quando sol
a cor do mar
quando mal
acordo só

sábado, junho 10, 2006

IMAGEM PALAVRA

AS MALABARÍSTICAS E INGENIAIS VIDAS INVENTADAS DE CÉSAR COMENTA, O SEM-MEMÓRIA

"Comenta gostava de sentar-se à beira do rio às vezes, sempre sozinho. Eu o observava da varanda. Seus pés dentro d’água e as mãos brincando com as pedras. Esporadicamente arremessava algumas no rio e tentava buscá-las a nado. Nunca interrompi estes momentos de solidão, achava prudente deixá-lo com suas memórias inacabadas. Certa vez ele me viu observando sua cumplicidade com o rio e acenou para que eu fosse a seu encontro. Imitei seus gestos de pernas molhadas, um pouco desajeitado por invadir o casulo de alguém, mas também feliz por fazê-lo. Lembro-me bem deste dia, Comenta ostentava uma aparência branda, de sorriso leve e contínuo, e segurava uma rosa triste. Foi a primeira vez que me falou sobre o Cavaleiro Rubro."

Absorto na degustação das idéias que me atormentam sobre o que escreverei e que, na verdade, já fora escrito. Ando meio desligado, sentindo os meus pés num chão de aquém-memória-além. É só um livro. Livro me.



flor triste