sexta-feira, abril 13, 2007

TEMPO VERBAL

TEMPO VERBAL


o certo é não ter vírgula
entre um e outro
e acabar com o travessão
atravessado na garganta

o certo é serem um ponto
nada de reticências
um único ponto
sincero e preciso
geometria perfeita
feita de corpos sobrepostos
postos à prova dos nove
minutos

segunda-feira, abril 09, 2007

RUMOR INTERNO

RUMOR INTERNO


Quando se pega pensando na
razão pessoal e filosófica
que leva os besouros suicidas
a se lançarem contra os pára-brisas
é que um homem percebe o quanto está realizado

Ali não precisávamos de mais nada
(a televisão mais próxima ficava a três dias de distância)
tínhamos tudo
e a terra nos chamava pelo nome

Éramos signos uns dos outros
e dignos
de sermos todos o mesmo
Num particular partilhado
cada partícula era o absoluto
e todo fundamental, uma parte

Mas voltamos...

Renata disse que
aquele veículo é um cocô do mundo
(eu concordei)
E Oliver
com uma (bela e) certa sede poética
apontando o horizonte:
Maceió é aquela luz!

(que luz teria orgulho de apagar o céu noturno?)

Havíamos levado tudo:
olhos eternos
amor em malotes
e um bom-rumor
E apenas voltou conosco
uma saudade triste e grata
acenando para o passado
pela janela traseira
do carro

segunda-feira, abril 02, 2007

ILHA DESERTA

ILHA DESERTA


No Havaí que havia aí
meu tornado virou sopro
o meu coco, açaí
minha casa pegou broca
tsunami, pororoca
meu silêncio virou cri
No Havaí que havia aí
meu Beethoven virou hula
o meu clássico, uma bula
minha harpia, colibri
minha erva virou pó
o meu clique virou pi
No Havaí que havia aí
minha costa virou grão
o meu pão virou migalha
minha tralha virou me
tempestade, então garoa
oceano, então lagoa
minha certeza virou se
No Havaí que havia aí
meu horizonte virou arco
o meu caro saiu free
o meu céu virou pintura
Oceania, Cingapura
Oiapoque virou Xuí
No aí que havia aqui
Havaí virou nordeste
armadilha virou teste
margarida, bacuri
No Havaí que havia aí
minha repulsa virou gozo
e minha calma, frenesi

domingo, abril 01, 2007

PENSAR NISSO

PENSAR NISSO


Roberta já havia recebido duas ligações do namorado impaciente quando subiu para o ônibus lotado. Namoravam há menos de dois meses e ela já se sentia sufocada. Por que sempre se sentia sufocada? Preferia não pensar muito nisso. Acabaria o namoro ainda naquela noite, debocharia dele e de seu ciúme excessivo, o deixaria falando sozinho em frente ao cinema, olhando para seu traseiro quando saísse rebolando debaixo da mini-saia estrategicamente vestida, e, livre e desimpedida, encontraria algumas amigas na Ponta Verde.
Não havia lugar vago onde pudesse sentar e já se sentia incomodada com os olhares insistentes que os homens lançavam para suas pernas. Acomodou-se de frente a um grupo que conversava com entusiasmo. O celular tocou, era ele, atendeu. “Já estou esperando há meia hora. Onde você está? Por que sempre tem que fazer isso? Você pensa que sou babaca?”, “No ônibus. Já estou chegando. Sim.”. Parou de responder às perguntas que ele fazia, pois, apesar de considerá-lo um estorvo, não sentia tanto prazer em derrubar a auto-estima dos namorados gradativamente, seu prazer estava em abandoná-los de súbito e vê-los arrastando-se por ela, feito um mendigo pedindo esmolas.
Enquanto seu namorado continuava a ladainha habitual, Roberta dedicou sua atenção ao grupo sentado à sua frente. Aqueles que antes conversavam animadamente, agora gargalhavam descontroladamente. Entraram numa crise de risos irresistível e não conseguiam parar. Roberta sentiu um músculo do rosto reagir. Ao seu lado, uma senhora robusta, prestando atenção ao grupo de jovens risonhos, caiu na gargalhada e, para Roberta, aquela situação tornou-se ainda mais inusitada e desconfortável. Sorriu com discrição, com o namorado gritando em seu ouvido direito. Sorriu sem saber exatamente o porquê, como se sua boca estivesse sendo puxava por um fio invisível e ela não conseguisse resistir.


Dona Gildete, uma senhora em seus 50 anos, redondos, perdeu o marido em um acidente. Um acidente vascular encefálico que fez o velho capotar no fim da estrada. Isso não é uma metáfora. Foram dois acidentes em um, o vascular encefálico e o do fusca que ele dirigia e que capotou no fim da Avenida Monte Castelo. Estavam despreparados, será que sempre se está despreparado para este tipo de coisa? Preferia não pensar muito nisso. Como não tiveram filhos, contou com a ajuda do irmão e dos sobrinhos para cuidar dos assuntos póstumos e, sete dias depois do enterro, dirigia-se para a Virgem dos Pobres, onde seria celebrada uma missa em memória do marido morto. Sozinha, entrou no ônibus que a levaria para a celebração. Não tinha problema, era bem pertinho.
Não costumava se locomover em meios de transporte público, seu marido sempre a levou para onde quisesse ir, no entanto, teve de vender o que restou do carro para pagar parte das dívidas com as quais o defunto a presenteou. Passou pela catraca, espremeu-se entre as pessoas e parou perto de uma jovem que exibia as pernas em uma mini-saia que mais parecia a parte inferior de um maiô. Deve ser prostituta, pensou. À sua frente, um grupo de três jovens conversava em voz alta, chamando a atenção de muitos no ônibus, incluindo a sua. Falavam sobre algo que aconteceu num acampamento e dona Gildete lembrou-se de sua juventude, de quando houvera acampado com alguns amigos da faculdade e conhecera Cléber. Sentiu vontade de rir pela lembrança gostosa das peripécias que se aprontam em locais como esse e voltou toda a sua atenção para os jovens tagarelas do ônibus.
Num determinado momento, quando os conversadores lembravam de um amigo que houvera corrido pelado pelo acampamento, se não a própria situação lúdica, algo a mais os fizera cair na gargalhada. Dona Gildete ficou surpresa que algo tão parecido houvesse acontecido com ela naquele acampamento há tantos anos, quando Cléber teve que correr para não ser pego com ela pelo irmão ciumento. Os três jovens do ônibus riam histericamente e ela, lembrando-se de Cléber nu pelo acampamento, esbarrando nas barracas e assustando alguns desavisados, não conseguiu conter o riso. Chegaria a pensar em como estaria Cléber, que há tanto tempo não via, mas se conteria nas lembranças, pois agora haveria de dedicar-se no luto ao marido com quem vivera por tantos anos. Mas, por enquanto, ela só queria rir. Rir como um daqueles jovens, sendo um deles, compartilhando as mesmas experiências. E riu de si mesma.


Remir e Alberto eram amigos desde não sabiam quando. Nasceram no mesmo dia e moravam na mesma rua. As festas de aniversário eram uma só. As brincadeiras eram as mesmas. Estudaram na mesma escola e na mesma faculdade. Um cursava jornalismo, o outro relações públicas; pagavam matérias na mesma turma e participaram da mesma formatura. O grupo de amigos sempre fora o mesmo, as paqueras e brigas também.
Alberto namorou Júlia, Remir namorou Gabriela, prima de Júlia. Alberto terminou o namoro com Júlia, Remir terminou com Gabriela. Seriam eles alguma espécie de almas gêmeas? Preferiam não pensar muito nisso. Aquele era o primeiro dia depois daqueles relacionamentos, que não duraram mais que quatro meses de farras e traições, e eles estavam saindo para comemorar. Ainda no terminal rodoviário, subiram para ocupar os melhores lugares no lotação, aqueles bem no centro, onde eles podiam se aproveitar das mocinhas delicadas que não conseguem o equilíbrio necessário para se manterem firmes sem trombar em quem está sentado. Foi então que uma ruiva sorridente sentou num dos bancos em frente aos que os amigos ocupavam. Renata.
Cumprimentaram-se alegres, os três. Renata havia estudado com eles na UFAL, era uma das piores alunas, mas uma das melhores companhias. Remir havia ficado com ela seis vezes e Alberto sete. Ela foi o pivô de uma disputa árdua de quem-pega-mais que durou algumas semanas e garantiu duas grades de cerveja para Alberto como prêmio. Cerveja da qual ela também bebeu, ao passo que veio a saber o motivo da comemoração, e, imediatamente, igualou o placar. Sete a sete.
O ônibus já estava cheio quando os três conversavam sobre o acampamento de despedida. Ocasião em que viveram uma experiência até então inaceitável de amor a três ou ménage a trois ou sexo grupal, orgia, bacanal, e, graças a essa cumplicidade, tudo parecia bem mais engraçado do que realmente fora. Como quando Rogério, despido, correu por todo o acampamento, em plena madrugada, convocando a todos para um banho de mar. Acabou indo sozinho e teve um ataque epiléptico dentro da água gelada. Estranho como o ataque epiléptico de um colega, dois anos depois, se torna algo hilário pelo simples fato de que, naquele momento, um amigo estava com o pau do outro na mão. Tiveram uma crise de risos. Remir aproveitou os movimentos das risadas para roçar, inadvertidamente, o cotovelo entre as pernas de uma mulher que estava em pé ao seu lado e usava uma não-saia que dava um vislumbre de sua calcinha vermelha. Tendo os outros dois percebido a atitude de Remir, o instante se tomou de uma graça ainda maior. Uma senhora toda vestida de preto caiu na gargalhada e só contribuiu para que eles soluçassem cada vez mais forte, e para que Remir repetisse seu roçar despercebido que a mulher, ao telefone, sequer notava.
Desceriam do ônibus e Renata morreria dois meses depois, sem que eles tivessem oportunidade para a balada que haveriam de se prometer minutos antes da despedida. Quanto à senhora de preto e à mulher da não-saia, ainda as veriam outras vezes, mas não se reconheceriam. Mas, por enquanto, rindo despretensiosamente, todos não passavam de palhaços.


Roberto, Glauco, Lourdes, Kelly e Damiana também estavam no ônibus, próximos aos jovens risonhos, e sorriram discretamente. Joana irritou-se com as risadas e afastou-se do grupo. Maria José, que estava na parte de trás do ônibus, esticou-se para ver o que acontecia e riu mesmo sem conseguir ver nenhum dos envolvidos. E o cobrador, Elias, ainda comentaria com o motorista, Gomes, sobre a mulher gostosa com a bunda de fora quando o ônibus esvaziasse.