quinta-feira, abril 20, 2006

ORA...

ORA...


Eu conhecia muito bem um quarto que só freqüentava à noite e com as luzes apagadas. Os móveis não pareciam mudar de lugar nunca, eu os sentia, conhecia cada centímetro daquele quarto só de tocá-lo. Havia coisas jogadas pelo chão, eu sempre tentava arrumá-las, mas elas eram mais pesadas do que aparentavam, ou aparentavam ser mais pesadas do que eram. O fato é que eu não as conseguia mover tanto quanto desejava, e o quarto, sempre que eu voltava, estava mais uma vez desarrumado.
Todas as noites eu costumava regressar ao quarto, exceto quando ele já estava ocupado por outra pessoa, e tentava deixar resquícios meus nele para que pudesse torná-lo ainda mais seguro para meus pensamentos, já que estes tinham o estranho costume de flutuar pelos cantos do lugar e pular sobre a cama. Aos poucos fui me acostumando à iluminação do local. Havia uma pequena vela, no início até mesmo tímida, que representava o papel de cúmplice da minha cumplicidade com aquele quarto. Com o tempo seu papel foi crescendo, seguido de sua chama, e aquele quarto, tão escuro e tão conhecido, ganhava agora também cor. Era apenas a cor que a vela permitia que ele tivesse, eu sei, mas a vela, melhor do que ninguém, conhecia aquele ambiente, sempre esteve lá, sobre o objeto mais valioso e bem conservado ali, um criado-mudo trabalhado à mão. Cheguei a desconfiar que o próprio quarto houvesse fabricado aquele objeto para agradecer à vela. Assim, somente aquela vela poderia revelar a verdadeira cor que o quarto emanava, confiava na vela mais do que em meus olhos ou na luz do Sol.
Eu já não conseguia deixar de ir àquele quarto deitar minha cabeça no tão confortável travesseiro de palavras, estava escravizado pelo conforto que ele me proporcionava, e isso não me agradava completamente, faltava que eu levasse conforto ao quarto. Comecei levando a vela, junto com seu criado-mudo, a outras partes do recinto. Além de saber que aquilo agradava ambos, também me permitia recolorir as partes do todo, afinal, cada movimento da vela revelava novas faces daquele lugar. Este costume passou a me deixar uma impressão de cobrança no flamejar da vela. Ela queria explorar locais onde eu não conseguia levá-la, como embaixo da cama, e eu queria satisfazê-la, e, mais do que isso, queria, tanto quanto ela, conhecer estes lugares com todos os olhos que me eram permitidos enxergar. Nisto, e chegando à este ponto peço que prestem bastante atenção, eu tentei levar a vela (sem a escrivaninha) para debaixo da cama, como primeira tentativa inusitada de exploração, mas, assim que tive a primeira quase-visão do desejado, a vela cedeu ao estranho e se apagou. Deixei aquela luz de lado e resolvi tatear. Buscava ansioso, sem jeito, perdido, acalmando os pensamentos que, àquela altura, já estavam loucos para saltar através da poeira debaixo da cama.
Eis que tateio algo feito em madeira, uma caixa, de tamanho não muito grande, no entanto muito pesada. Mas aquilo eu não deixaria passar, não depois de ir tão longe, eu tinha que conseguir deslocar aquela caixa e descobrir o que ela guardava. Foi uma eternidade, quase a noite toda, até conseguir remover a caixa e abri-la, ao que ela respondeu com um rangido de reclamação. A caixa trazia papéis que eu não podia ler, não sem a luz da vela. A vela se recusava a acender. Forcei minha visão próximo à fresta da porta, que era o único resquício de luz no quarto, ou era o mais próximo de uma lembrança de luz que me hipnotizava na ilusão de vê-la. Reconheci versos, declarações, confissões, e naquela madrugada eu pude sentir o prazer de reconfortar o quarto que me tranqüilizava.
No dia seguinte fui ao quarto com versos meus escritos em metade de um papel e o coloquei dentro da caixa, a qual havia guardado ao lado da vela, cuja luz agora parecia ainda mais intensa. Naquele dia relaxei profundamente e meus pensamentos tiveram crises de risos constantes que iluminaram meu refúgio. Quando reabri a caixa, retirei os papéis e não fiquei muito surpreso ao perceber que haviam mais versos escritos do que os que eu havia posto no papel. Li as palavras do quarto para que minha cúmplice de cera em chamas sorrisse. Passeei a vista pelo cômodo e sussurrei para que ele não me ouvisse:
- Ora, já era hora!
Hoje, escrevemos poesias juntos, e a vela nos ilumina e identifica nossos versos através do intenso calor de sua chama. Mas também se apaga sempre que possível, para que meus olhos digam-na como é o quarto quando ela não o está iluminando.

sexta-feira, abril 14, 2006

DIA DIANA



Canção


Dia Diana

Diana cedeu às sombras da cidade
Diana rompeu a linha da vaidade
E não entendeu toda a felicidade
Que aconteceu no dia da verdade
No seu celular o nome do amado
No seu rebolar murmúrios do passado
Não soube lembrar do riso sem disfarce
Não soube cantar no dia da verdade

Quem agora você é?
Qual nome agora tem?
O que esconde e o que quer?
Diana, qual é?

terça-feira, abril 11, 2006

LEITE DE LETRA

LEITE DE LETRA


>> Precisamos de tratos para nos tratrar <<

Sobre o nome do blog não há muito o que dizer além do que já se imagina. Que talvez haja alusões eróticas eu até acredito, mas Leite de Letra nasceu mesmo da intenção de extrair sumo significativo de cada mínima parte de uma palavra. Chupar leite das letras, aquilo que elas têm dentro de si e que muitas vezes passa despercebido, sua falta de sentido, sua oposição dentro dela mesma, ou qualquer outra possibilidade inusitada que uma perninha do a possa induzir.

É simples, amigo
basta me acompanhar.
Segura bem esta divina teta
não se preocupe com a poesia
não se preocupe com o resultado
tudo jorra.
É simples, meu amigo
você acaricia com cuidado
às vezes as letras saem sem matemática
cheias de nata
não as limpe. Assim
cheias de nada
branquinhas
elas formam as melhores palavras.
É simples, amigo
ponha o líquido em ordem de apreensão
mas não se preocupe com a compreensão
se não conseguir ler
beba!

>> Dificultar a felicidade achando que pode ser mais feliz superando uma decepção criada por si mesmo <<

domingo, abril 09, 2006

SOLIDÃO E SEUS NÍVEIS

SOLIDÃO E SEUS NÍVEIS


São kilômetros de solidão para os animais noturnos se deleitarem. Cá dentro existe um impeenchível vazio que se alimenta da minha sanidade. Mas quem proclamou que solidão é sinônimo de tristeza? Existem imagens tristes que a solidão orna, no entanto, é a mais pura felicidade de estar só em si, e, portanto, podendo-se doar em plenitude, o que a solidão sã causa.
Estou em estado de espera sonolenta, de descoberta frágil, de medo e redenção simultâneos. Qual a posição de um solitário quando deseja o outro? Existe nele uma tendência a se amar ou ignorar ao extremo. Se deseja alguém, pode correr o risco de tratá-lo com uma deslocada indiferença ou desejá-lo mais do que a si próprio (e até os dois num só).

Perfil deste ambíguo solitário:

  • Carregando muito mais peso do que precisa, ele tem uma curvatura típica;

  • Seus olhos possuem uma atração incontrolável por tetos e chãos;

  • Possui uma disfunção nas frases que as leva inevitavelmente à construções intimistas. Dificultando a compreensão do receptor;

  • Espera conseguir o que não tenta;

  • Sua aura perpassa o local onde está;

  • Aparenta não habitar o próprio corpo, pois sempre transmite uma impressão de não-plenitude de presença física e emocional;

  • A arte o satisfaz, substituindo-o.

  • >> Se você possui algumas destas características, não se preocupe, nem todo solitáro (como já foi dito) é triste <<

    quinta-feira, abril 06, 2006

    METABLOGAGEM INTRODUTIVA

    METABLOGAGEM INTRODUTIVA

    Como primeira sucção letral deste blog, fez-se necessário relatar a desventura de criá-lo. Seja por ter de conhecer códigos, além dos consensuais já tão presentes através de gramáticas ou culturas, ou de refletir mecânicamente, um árduo caminho se traça nesta empreitada multimídia. Entre HTMLs e coisas sem nome que eu poderia neologizar (como acabo de fazer), percebo que é de prática que tudo se cria, até mesmo a palavra. Qual o problema de não saber nomear cada parte deste corpo eletrônico se posso controlá-lo perfeitamente? Qual o problema de não saber nomear corretamente meu próprio corpo se ele, pra mim, é ser antes de idéia? Para que codificar a natureza antes de sentí-la? Não há exemplo maior que viver. Talvez seja da prática que a redenção venha, de uma prática inteligente e não da robotização informacional que uniformiza cada uma dessas pessoas que estão andando por aí e por aqui.
    Mas por que declaro tudo isso? O efêmero sentimento de conquista é maior do que o do fracasso que o precedeu. Então, este monólogo metabloguístico (lembrando que a palavra nasce do uso para o consenso) nada mais é do que uma dispensável introdução que não reflete a minha real alegria em estar abrindo mais uma vez meu blog e minha vida, de uma forma muitas vezes egoísta e irracional, para uma multidão voyeur ou um parceiro imaginário.


    Mapa do Blog

    Descrevendo rapidamento o blog, apenas para fins de melhor percepção das informações nele contidas:
    As postagens ficam na parte esquerda e são a coluna vertebral da página. Do lado direito, além de informações sobre o autor dos textos (eu mesmo), haverá sempre um poema que acompanhará a temática do blog, prevista para mudar mensalmente. À princípio, o tema é "mãos", que, seguido das fotografias, traz a poesia "Toque Cego". Portanto, espero que gostem dos textos das postagens e das poesias temáticas, além das mudanças de layout que acontecerão de acordo com o tema.
    Sem mais, sejam bem-vindos!