quinta-feira, novembro 30, 2006

PILOMBETA E A LUPA MÁGICA

PILOMBETA E A LUPA MÁGICA


Em seu aniversário de oito anos, Pilombeta ganhou da avó uma linda lupa cor-de-rosa. Decepcionada, a menina passou três dias triste, andando pra lá e pra cá com sua lupa inútil, até descobrir que aquele não se tratava de um objeto comum. “Essa lupa é mágica, Pilombeta, não acredito que ainda não tenha notado! Vamos, faça um teste, aponte sua lupa cor-de-rosa para o céu azul e veja o que acontece. Mas mire diretamente no sol”. Foi o que a menina, cabisbaixa e desacreditada, fez. Dois minutos de lupa apontada para o sol e nada de mágico viu Pilombeta acontecer. Talvez a distância estivesse dificultando a ação dos elementos mágicos, então ela decidiu subir o morro atrás de casa para ficar mais próxima do sol. De cima do morro, lupa levantada captando o globo de fogo, a menina inflamou de alegria ao ver que uma sombra engolia, aos poucos, a luz solar. Os minutos passavam e a sombra crescia cada vez mais, de um lado para o outro, como se uma porta estivesse sendo fechada na frente do sol, até o momento em que este se apagou por completo. Pilombeta havia apertado o interruptor da lâmpada do planeta.
A escuridão tomou conta de tudo, mas não era a mesma da noite, era um escuro semiluminoso, como se tudo estivesse à luz de velas. Encantada com seu presente maravilhoso, a detentora da iluminação do mundo pensou em voltar para casa e mostrar à sua avó o que fora capaz de realizar, mas logo sua responsabilidade sobre tudo o que se abatera ao redor da Terra despertou-a para os problemas que aquela escuridão fora de hora poderia provocar, podendo ela ter colocado inúmeras pessoas em situações perigosas, perdidas em locais obscuros. Em verdade, a própria menina tinha um certo medo do escuro e não tinha coragem de descer o morro sem a luz do sol para transmitir-lhe segurança. Foi então que voltou a erguer sua lupa mágica e apontá-la para o sol preto, a fim de fazer com que o mesmo voltasse a acender. E assim aconteceu. Da mesma forma como a sombra houvera surgido, agora a luz, lentamente, engolia o círculo negro de um lado para o outro. Em poucos minutos tudo havia se normalizado. O planeta voltara a se iluminar — a porta reabrira ­— e imensa foi a felicidade de Pilombeta por possuir extraordinária magia capaz de apagar estrelas. Manteve-se ali com sua lupa fixada no sol por duas horas, até que ele se pôs e ela, aliviada, se sentiu pronta para enfrentar a escuridão da noite morro abaixo e voltar para casa.
Teve a mais feliz de todas as noites de sua vida, submetendo tudo e qualquer coisa à lente de sua lupa. Gabou-se de seus poderes até a avó cair no sono, e quando finalmente sentiu o corpo cansado e o braço dolorido resolveu deitar-se e esperar o alvorecer. Foi nesse momento que Pilombeta se viu diante do maior dilema de sua vida: até que ponto sua magia havia interferido no andamento habitual do sol? Poderia o astro continuar a nascer e se pôr normalmente sem o acompanhamento de sua lupa? Questões como essas martelaram a cabeça da pobre menina durante toda a madrugada até que os primeiros raios de sol começaram a iluminar o céu, fazendo-a correr até a janela para ver o globo luminoso erguendo-se no horizonte. No entanto, com o olhar fixo nas árvores ao longe, nada viu Pilombeta além de um bando de morcegos procurando abrigo antes que o dia despontasse. A menina começou a ficar preocupada, então pegou sua lupa e subiu o morro para procurar alguma pista do sol que tentava iluminar o céu daquela manhã preguiçosa. O tempo parecia não correr. Ela poderia jurar que, desde sua chegada ao topo do morro, horas haviam se passado e sequer um fiapo do sol surgira no horizonte, portanto decidiu, mais uma vez, usar sua lupa mágica. Com seu objeto encantado apontado para o horizonte, Pilombeta viu a esperada estrela nascer exatamente no ponto central que a lente da lupa captava. Este foi o momento crucial que interferiu em toda a vida da menina, que, certa de seu encargo, guiou a ascensão do sol pelo céu, acompanhou todo o arco que ele desenhou sobre as cabeças da cidade e acalentou-o quando ele se pôs, dando lugar à noite. Estava exausta. Não desceu o morro. Comeu uma manga e dormiu sem limpar os dentes.
A avó de Pilombeta pediu que alguns garotos subissem o morro para convencê-la de voltar para casa, pois era um absurdo ficar tanto tempo ausente, já havia se passado mais de uma semana, desse jeito ela acabaria tendo uma insolação, desidratação ou coisa pior. Porém, o que a avó não entendia é que Pilombeta já havia contraído a tal da insolação. A menina estava toda tomada de sol, sua vida dependia dos movimentos delicados daquele corpo celeste, ela tinha plena consciência de seu dever com o universo e adorava segurar na mão do sol e levá-lo pelo longo caminho céu afora enquanto o dia se estendia. Possuía a certeza de que o astro dependia da magia de sua lupa e tremia toda de felicidade por ser uma criatura tão importante no meio de tanta gente sem foco. Tinha pavor da imagem do sol estancado no céu, ou mesmo dele perdido no universo, caso ela, por qualquer descuido, não guiasse seu caminho diário pelo firmamento. Já não dormia mais. Encontrava-se completamente sujeita e subjugada ao poder que lhe fora imputado. Estava sob a ação do sol. Insolação.
Com o passar do tempo, o corpo de Pilombeta já não conseguia acompanhar os desígnios de sua alma. Teve heliose, cegueira e câncer de pele, morrendo preta e esquelética. Diziam que havia cometido suicídio, que sua atitude fora burra e que não houvera amado a própria vida, e, sendo assim, não merecia sequer ser enterrada. Deste modo, abandonaram seu corpo, sem sequer tocá-lo, no local onde havia tombado: no alto do morro, com uma das mãos erguida a segurar a lupa cor-de-rosa. Era impossível que eles compreendessem a felicidade de Pilombeta. Dificilmente perceberiam quão grande é a alegria de se ter apagado, uma vez que seja, a luz do mundo e jamais entenderiam que, para Pilombeta, aquele instante de êxtase extremo já fazia valer à pena quantas vidas lhe fossem concedidas.
A detentora da iluminação do planeta morreu numa tarde de eclipse total do sol, maravilhoso espetáculo que começou no momento exato de sua morte. Depois daquele dia o sol voltou a se pôr e nascer normalmente, carregado de matemática e despido de toda a magia que houvera obtido em razão do olhar de Pilombeta. Onde o corpo da menina apodreceu, brotou um belíssimo campo de girassóis.

domingo, novembro 26, 2006

A TRISTE VIDA DE UM GATO DE RUA

A TRISTE VIDA DE UM GATO DE RUA



Era uma vez um gato chamado Leopoldo. Sempre quis começar um conto com essas três palavras: era uma vez. É, dos clichês, o mais atraente, porque dá à estória que está para começar um clima de fantasia, e logo se espera que a mesma acabe com e foram felizes para sempre. Gosto que minhas estórias tenham um teor fantástico, pois sempre me identifiquei com os contos de fadas, simpatizo com o otimismo impresso neles, e, mesmo agora que pretendo relatar fatos reais e dramáticos, começar este conto com era uma vez faz com que essa realidade excessivamente triste pareça distante da que se vive, e talvez se menospreze, de uma forma inocente, toda a dor contida nos acontecimentos para supervalorizar apenas os bons ensinamentos que a moral da história trará. Dessa forma, para os que querem ler um conto de fadas, esta será a estória de um felino que superou todas as dificuldades para ser bem-tratado e feliz, e para os que querem a verdade, esta será a história de um gato de rua e de sua morte drástica. E começa assim: Era uma vez um gato chamado Leopoldo. Nascido na esquina 22 de um conjunto habitacional qualquer, ele viveu suas primeiras semanas sob os cuidados de uma mãe cautelosa, que veio a falecer atropelada por um caminhão de lixo, deixando Leopoldo e seus dois irmãos sujeitos aos mais diversos perigos que a rua oferecia.
Logo na primeira semana de vida sem a mãe, os três filhotes se separaram. Bartolomeu, o que primeiro nasceu, um gato branco e de pêlo solto, foi levado numa sacola de plástico por uma mulher idosa. O segundo a nascer, Godofredo, listrado em tons de cinza e de calda longa, morreu apedrejado, emboscado por três moleques num beco. Foi uma armadilha da qual Leopoldo se salvou por pouco, pois, quando a primeira pedra atingiu o crânio de seu irmão, ele saltou o mais alto que pode, alcançando uma fenda numa parede que o ajudou a subir um muro alto pelo qual correu apavorado, enquanto ouvia os miados desesperados de seu irmão sendo torturado.
Leopoldo era realmente azarado. Poderia ter nascido siamês, já que sua mãe se envolvera com um gato de raça que rondava aquela região, mas nasceu vira-lata, assimétrico e ingênuo. Tinha os pêlos escassos e de uma coloração disforme que o fazia parecer estar sempre sujo: uma mistura de ferrugem, cinza e branco, com uma mancha preta no olho direito. Sem os irmãos, Leopoldo passou a ser o felino mais solitário da cadeia alimentar. Passava os dias vagando sem rumo, comunicava-se pouco com outros bichos, já que na maioria das vezes era desprezado e mal-tratado, comia qualquer coisa que conseguisse arrancar de algum mendigo que não tivesse nada e se enfiava em qualquer brecha escura para meditar. Raciocinava muito, principalmente sobre o comportamento humano. Era um gato antropólogo, com um tanto de sociólogo, filósofo e (por que não?) poeta.
Em uma certa manhã ensolarada de sábado, quando Leopoldo já tinha por volta de seus dois anos de idade — seus pêlos, se já eram escassos, agora mal existiam, já que os ferimentos por todo o corpo formaram crateras de pele na penugem —, a cidade em polvorosa, com seus humanos indo às praias e às feirinhas e às lavanderias e aos bares da esquina e às casas da sogra e aos cinemas e aos motéis e aos seus lugares nenhuns, indo ao encontro de si mesmos, e Leopoldo observando tudo isso, pensando no tédio de se atribuir compromissos inadiáveis, na perda de tempo que é ter algo a se fazer, quando pode se ter muito mais o que não se fazer, uma bicicleta atropelou o gato filósofo.
Talvez vocês venham a querer mais detalhes desse atropelamento, já que este ainda não é o momento da morte do protagonista desta história, mais precisamente, este é o instante da reviravolta, lá pelo meio do conto, onde as coisas começam a melhorar pro lado do herói. Nesse trecho, mesmo tendo certeza que o personagem vai morrer, o leitor torce para que tudo dê certo, e, quando tudo começa mesmo a dar certo, ele chega a desejar que o conto se encerre antes do trágico final preanunciado. Esforços vãos, não esqueçam que o gato vai morrer. Sendo assim, aí vão os detalhes: Leopoldo estava encolhido junto a um muro, miando baixo, reclamando do calor e da fome, enquanto via os carros passando apressados na rua bem a sua frente, quando um garoto de quinze anos veio correndo em sua direção e chutou seu estômago, algo que os humanos fazem muito para espantar o stress. Foi uma pancada tão forte que jogou o gato para a rua. Aterrorizado, ele perdeu a noção dos sentidos e correu desnorteado entre os carros que freavam bruscamente, o som das buzinas fazendo-o pular. Com a dificuldade de um desesperado, se esquivou de alguns veículos e conseguiu se aproximar da calçada oposta a da qual fora arremessado, no entanto, poucos centímetros da segurança, uma bicicleta atravessou seu caminho, fazendo-o, num ato de reflexo felino, pular para traz sem ver que outra bicicleta se aproximava, esta sim a bicicleta que o atropelou, esmagando sua pata direita dianteira. Miando de dor, mancou até um local aparentemente calmo, numa rua longe daquele tumulto, onde pôde deitar na sombra de uma roseira e lamber-se por vários minutos antes de dormir.
Leopoldo dormiu a poucos metros de distância de um casal que discutia. Era um senhor de aparência jovial, mas cujos cabelos eram totalmente brancos, e uma mulher gorda dentro de um vestido estampado tão rente ao corpo que a deixava com o formato de um botijão de gás. A gorda, que Leopoldo veio futuramente a chamar de Bolinha, reclamava da ousadia dos gatos de alguns moradores daquele local, que entravam no quintal da sua casa e defecavam por toda parte. O senhor de cabelos brancos, que o gato poeta chamou de Branquinho, apenas ouvia e tentava acalmar a mulher, que segurava uma vassoura e apontava para cada pessoa que passava em frente à sua porta. Depois de muita conversa, Bolinha entrou em sua casa e Branquinho veio andando em direção à sua, então encontrou Leopoldo tremendo e choramingando graças às dores no estômago e na pata esmagada. Neste ponto começa a valer à pena a vida de Leopoldo, é a chegada de sua fada madrinha. Branquinho sente carinho pelo gato sem dono e o adota, até então ele morava sozinho e o felino passa a ser sua única companhia na maior parte do tempo. Passou a ser tratado da melhor forma possível, com as melhores rações para gatos, que aos poucos foi melhorando sua aparência, mesmo com todas as falhas no pêlo, e recebendo leite da melhor qualidade, além de ter sua pata medicada, receber tratamento contra vermes e algum amor.
Branquinho tinha um sobrinho que vinha visitá-lo às vezes, uma criança de oito anos que adorava brincar com Leopoldo. O menino brincava de prender a respiração do gato, soltando apenas quando este já estava à beira da morte, esse era o único problema de morar ali com Branquinho, mas, sem dúvida, era um problema menor do que os que ele enfrentara vivendo na rua. Numa dessas vindas de Toc-Toc, o sobrinho, Leopoldo decidiu sair de casa pra não ter que aturar as brincadeiras doentias do garoto. Leopoldo não entendia essa necessidade que os humanos tinham de despejar sua agressividade em qualquer coisa que fosse; essa forma vaidosa de lidar com a suposta superioridade, como se, pelo fato de serem maiores e mais fortes, tivessem o direito à impunidade perante seres mais fracos; essa maneira egocêntrica de desrespeitar as diferenças. O gato sociólogo subiu para tomar ar nos telhados.
Neste parágrafo, finalmente, o gato morrerá. Aqui chegamos ao ápice da história para aqueles que estão lendo a verdade; para os que lêem o conto de fadas, o ápice ainda está por vir. Andando pelos telhados da vizinhança, Leopoldo sentiu um cheiro delicioso invadir suas narinas, chegando ao pulmão como se este fosse um estômago e quase saciando uma fome que não existia. Seguiu aquele odor como se tivesse sido laçado e estivesse sendo arrastado ao encontro do laçador. Era um quintal com uma goiabeira e algumas folhas secas no chão de terra batida. Próximo às raízes da árvore, repousava um enorme filé de carne de boi, a fonte do cheiro que atraíra o gato. Desceu o muro e foi direto comer a carne. Mordia rápido e voraz, há tempos não sentia aquele sabor inebriante, pois Branquinho tratava-o como se trata um bebê humano, com todos os cuidados de um pai coruja: comia apenas ração e tomava leite, dificilmente conseguia arrancar de seu dono um petisco como aquele. Acabou a carne rapidamente e voltou a subir o muro, depois o telhado e logo estava descendo pela frente da casa, na rua onde fora encontrado por seu dono, mas foi neste momento, enquanto dava seu último salto, que Leopoldo sentiu a pontada no estômago, e a dor que se espalhava por todo o corpo, e a respiração difícil, como se o ar estivesse sendo puxado através de um canudo, foi nesse instante que a dor mal possibilitou que continuasse a se mover, chegou até a porta de Branquinho e miou alto, seus últimos miados. Foi nesse instante também que os olhos embaçaram e sequer conseguiram reconhecer Bolinha saindo de sua casa e gritando ofensas a Branquinho, foi nessa hora que os ouvidos começaram a falhar e ele não entendeu o que Branquinho esbravejava para a mulher, não conseguiu entender que ela dizia que a culpa era dele, que o veneno era pra matar o gato que sujava seu quintal, foi nesse miserável minuto que ele perdeu o tato e não sentiu o último abraço de seu dono, perdeu a visão e não viu as lágrimas que escorriam dos olhos de Branquinho, perdeu-se de si e não se foi mais nada. O gato poeta morreu estrebuchando na calçada, como morrem os animais de rua (vide mendigos, loucos e andarilhos).
Quando chegou aqui, Leopoldo estava sereno, triste como uma pedra, de uma serenidade vegetal, sábia. Primeiro perguntou-me se Deus existia, pois não entendia como este pudera, em um castigo dirigido aos seres humanos devido sua fraqueza diante das tentações, acabar atingido todas as criaturas vivas com pestilências como a praga da dor e da fome. Falava calmamente, expunha suas meditações mais amargas causadas pela decepção de se morrer. Queria saber se era justo que a raça humana pudesse desfrutar de benefícios conseguidos pelo sofrimento de outros bichos, se era justo que todos pagassem por um erro irracional dos semelhantes de Deus. Não respondi a nenhum dos questionamentos do gato morto. Após ouvir toda a dor que aquele gênio sofrera, perguntei-lhe apenas se ele gostaria de renascer, e dessa vez como um humano, para que pudesse ter a oportunidade de não ser tratado como um objeto, um utensílio de outra raça. Leopoldo respondeu-me que jamais se sujeitaria a uma circunstância como aquela. Sabia que a cultura está baseada na sobrevivência do mais forte e não queria pensar em si mesmo como um ser que maltrata criaturas como a que ele fora, não queria se imaginar como alguém que abusa de um poder que lhe foi concedido para maltratar os mais fracos, ele sabia que, se aceitasse aquela proposta, se tornaria igual a todos os humanos, e não suportava sequer a idéia de poder vir a ser algo que despreza. E eis o meu conto de fadas: Leopoldo, o gato antropólogo, olhou-me profundamente, esboçou um sorriso brando e afastou-se saltando entre algumas nuvens. Foi feliz. Para sempre.

sexta-feira, novembro 24, 2006

SEMIÓTICA

SEMIÓTICA


o reflexo da cor do pato
não é a cor do pato
a cor do pato
não é o pato

não é o pato
pato
não é o pato
o que diabo
é o pato
afinal?

segunda-feira, novembro 20, 2006

FESTIM FOOD

FESTIM FOOD


dois pães espremidos
deitados na chapa
fritando os miolos
dois pães espremidos
espremendo espremendo

e eu que tanto esperei
um amor assim farto
melecando o canto da boca
sem guardanapo
quase morro de fome
devorado no prato

pão-dormido pão-duro
feito sangue que talha
espremido espremendo
a mostarda
mas não falha

sexta-feira, novembro 17, 2006

SÍNDROME DO ESTOU COMO

SÍNDROME DO ESTOU COMO


O poeta estancado:
____— Há dias que
____não escrevo nada,
____nada sinto.
____Estou como
____uma versão piorada
____de mim outro,
____minto:
____estou como
____se nunca houvesse encontrado
____o mim outro
____que, frente ao espelho,
____finto.

quarta-feira, novembro 15, 2006

FRENTE E VERSOS



Escrito em frente e versos vai meu novo endereço virtual, um blog compartilhado, onde eu e Isabella Brito levaremos, para os que se arriscarem a ler, textos que são frente e verso de uma mesma idéia. Virem nossas páginas, rabisquem nos cantos, grifem as frases atraentes, cortem as de gosto duvidoso, sintam-se a vontade para abrir e fechar nosso livro quando bem entenderem. E não esqueçam de ler frente e versos. Basta clicar aqui e conferir!




DAS INTENÇÕES


— Por que o poema atravessou a rua?
— Porque o sinal fechou.
— Não.
— Para chegar do outro lado?
— Não.
— Porque... porque... porque ele teve vontade!
— Não.
— Ah, desisto. Não sei. Por quê?
— Ele não atravessou a rua!
— Mas isso não faz sentido.
— Dããã! É um poema!

terça-feira, novembro 14, 2006

ARTE E VIDA LANTERNINHA

A VIDA IMITA A ARTE RECRIA A VIDA


Então,
vida:
projeção
na pele.
Película
trash:
brecha no roteiro;
trilha brega;
atuações banais;
ausência de efeitos
visuais;
direção falha.
Porém, encanta
pela
bela
fotografia
em
preto e branco.

segunda-feira, novembro 13, 2006

OUTRAS ÁGUAS

OUTRAS ÁGUAS
Para Remo Saraiva


no rio que Remo
percorre
meu corpo saraivado
de belo
morre




Um dia encontrei um poeta no meio de uma pilha de roupas sujas. Eu lavei, espremi, estendi à lua, limpei bem até poder contemplá-lo sem o cheiro de tudo o que havia entulhado junto dele. Um poeta magnífico, cuja carcaça reluzia indiferente e quase despretensiosa. Acabei viciado. Aconselho que também tomem suas doses diárias: >> encontre seu título << .
Este é Remo Saraiva. Ou qualquer outro nome, basta encontrar seu título (que título César Comenta daria para ele?).

sábado, novembro 11, 2006

RALAVANAVA

RALAVANAVA


— Mãe, mãe, mãe, aprendi uma palavra nova!
— Ah, é?! E qual foi?
— Ralavanava.
— Como?
— RALAVANAVA!
— Hum... e o que isso significa?
— Significa que eu não sei pensar.
— Não diga uma coisa dessas, meu filho! Você é uma criança tão esperta!
— Não, mãe. Eu sou poeta.
— Valei-me, meu São Judas Tadeu!

sexta-feira, novembro 10, 2006

SOBERBA

SOBERBA


tire suas mãos
geladas suadas trêmulas
de tudo o que me pertence:

afaste suas mãos
de si
e venha bater palmas
em mim

... os sete poemas capitais

quinta-feira, novembro 09, 2006

AVAREZA

AVAREZA


eu quero
seu olho sua boca sua mão seu balanço seu dedão do pé
eu quero
seu relógio seu cabelo sua roupa seu espaço seus pêlos de pé
eu quero
sua voz seu canudo seu cheiro seu braço sua coxa seu umbigo seu
reflexo cadarço seu beijo de veludo seu sorriso mudo até seu chulé

eu quero quase tudo
só não quero a cicatriz
embaixo do seu queixo
um corte feio e cego
desleixo do meu ego
que me faz lembrar de mim



... os sete poemas capitais

quarta-feira, novembro 08, 2006

IRA

IRA


vem assim me esmagando
faz o sol, noite adentro,
ser de mim o que não sou

vem gritando que me odeia
faz pegadas no meu pódio
para nunca mais me pôr
...
mas pra que tanto eclipse
se já sabes que o ódio
é uma forma de amor?



... os sete poemas capitais

terça-feira, novembro 07, 2006

LUXÚRIA

LUXÚRIA


uma palavra crua logo
após uma noite de amor selvagem
vale mais do que mil diálogos
vale mais do que mil imagens



... os sete poemas capitais

segunda-feira, novembro 06, 2006

PREGUIÇA

PREGUIÇA


vamos fazer um negócio:
esquecerei o amor
e viveremos do ócio



... os sete poemas capitais

domingo, novembro 05, 2006

INVEJA

INVEJA


oh, minha amada
pudera eu amá-la
o amor que tu me amas
quem dera, amada!
mas amo esse amor triste
que quase não existe
oh, minha amada
te amo como a mim
um amor mesquinho assim
pouquinho, quase nada



... os sete poemas capitais

sábado, novembro 04, 2006

GULA

GULA


de tanto que me anula
a sua presença
é minha gula



...os sete poemas capitais

quinta-feira, novembro 02, 2006

DO DESTINO

DO DESTINO


tenho sérios problemas
com os desígnios da vida

fui designado a ser sombra
do sol que me projeta
fui projetado pra ser meta
e acabei saindo poeta

RALOUIM

RALOUIM


— Ralouim.
— Ré-lou-íem!
— Relouim?
— Quase. Ré-lou-í-em. Mas vocês aqui podem chamar de Dia das Bruxas que dá no mesmo.
— Sei. E lá vocês falam como? Diei dés briuxeis?
— Não. Lá é Rélouiem mesmo, que se escreve agá, á, éle, éle, são dois éles, ó, dábiliu, dois és e um êne no final, diferente da sua língua, que tem mania de acabar palavras com ême. Halloween.
— Ah, entendi!
— Então, já posso comer seu cérebro?
— Não, espera. Tenho outra pergunta.
— Hum?
— Ralouim, em português, quer dizer Dia das Bruxas?
— Não, não há relação. É apenas uma forma de adaptar a data à sua cultura, assim como o Dia do Saci, que, desde o ano passado, passou a também ser comemorado neste dia, para valorizar seu folclore.
— Ah! Então o senhor é um Saci!
— NÃO! Eu sou o cadáver de um bruxo morto na época da...
— Mas o senhor acabou de dizer que hoje é Dia do Saci!
O morto engoliu o menino.
— Odeio quando dá interferência na linha espiritual e acabo encarnando nesses países latino-americanos!