IMAGINÂNCIA
Tudo na lembrança era imagem. O som era a imagem do som, algo assim que não se escuta, mas capaz de indicar que um dia se ouviu. O cheiro era a imagem da reação ao odor. As sensações eram cores e às vezes escuridão. E a imagem, que já era imagem antes da lembrança, dentro dela se transformara na imagem da imagem, o que desbotara a figura primeira até sobrar apenas um vulto ou a imagem da imagem de um vulto.
Hoje, porém, nasceram as palavras. Elas que vieram dar continuidade à memória que já não se sustenta por si. As palavras aptas a ligar a lembrança ao agora. Elas brotaram brutas e cientes de seu poder. A imagem do som virou letra escrita, assim como a forma do odor e das sensações. Nem mesmo o vulto ou a imagem da imagem resistiu à avalanche destrutiva das palavras, e, caso não se faça algo imediatamente, toda a sua vida está sujeita a se transformar, de um respirar para o outro, em uma inversão perigosíssima do que seria a poesia.