sábado, março 17, 2007

BARULHO NA CIDADE

BARULHO NA CIDADE



Onde acordou, o silêncio era absoluto. A cabeça recostada na janela do ônibus, vazio. Esfregou as mãos nos olhos, respirou profundamente e olhou a rua deserta lá fora. O veículo parado, o mundo parado. Lembrou-se que era o único ser humano vivo na Terra.
Chorou por não ter mais pelo que chorar, por quem chorar. Sempre quisera saber onde daria aquela rua sem saída que era sua vida, mas era tão insignificante! Agora, sendo o último de sua espécie, aproximava-se de uma extinção inevitável da qual se sentia culpado. Se ao menos tivesse nascido mulher, Roger poderia tê-lo engravidado, ou mesmo Leandro, que adorava chamá-lo de puta. Mas não, nascera homem, um homem inoperante, mas com H maiúsculo.
Desceu do ônibus e avistou uma cidade calma, desagradável. Um terremoto de oito graus começou abruptamente e derrubou-o no chão, que se abria como uma porta para o inferno, e fez um letreiro de loja despencar sobre seu crânio.
Acordou com o choque de sua cabeça contra o vidro da janela do ônibus, que balançava e tremia. Por sorte, acordara em seu ponto de parada. Estava feliz com o barulho ensurdecedor da cidade. Desceu em frente ao Hospital das Clínicas para a cirurgia de mudança de sexo. Seu dia de Eva.




3 comentários:

Anônimo disse...

Adorei, você fala com uma sutileza tal que tudo o que é tristeza transborda em alegria!
:D

*eu odeio essa mudança nos blogs, nunca consigo deixar comentários como antes, como isabelinha, rs, afff...

Carol Almeida disse...

tão me lembrou transamérica... =~)

Anônimo disse...

Adooorei!