domingo, julho 30, 2006

ECLIPSADO

ECLIPSADO


Eu não te suprimo
quando te exprimo

Tu não és supremo
quando te espremo

O que dizia?
Tu sóis: fugaz
Eu luas: de perdas
Nós eclipses: gases de pedra

domingo, julho 23, 2006

P A L A V R A D O R

P A L A V R A D O R


palavra que larva
dor

lavrador que sou
plantei em mim
um dicionário
univocábulo

palavra: dor
substantivo sujeito
a traças

sexta-feira, julho 21, 2006

ELOGIOS

ELOGIOS
(Para Isabella)


— Ai que bom que você chegou, não via a hora de falar contigo!
— Por que você escolheu esse restaurante? É tão sem cor...
— Venha, sente-se. Não importa o restaurante, eu preciso te contar uma coisa...
— Você ainda não pediu nada pra beber?
— Eles estão trazendo vinho.
— Que bom!
— Amiga, o Caio foi embora e levou todas as coisas dele, estou perdida.
— Sério?
— Sim, foi ontem durante a noite...
— Que horror! Nossa, será que vão demorar muito a trazer esse vinho? Estou morrendo de sede.
— Ele disse que estava se sentindo sufocado.
— Sei... espera. Garçom!
— Pois não, senhora?
— Você pode me trazer o cardápio junto com o vinho que já pedimos?
— Claro. Só um instante.
— Acho que conheço esse garçom de algum lugar.
— Amiga, o que eu faço? Eu não consigo viver sozinha naquela casa. Ele levou a televisão também...
— É complicado...
— E este problema de desemprego, você sabe, como vou me sustentar?
— Aqui está o cardápio, senhora. E o vinho.
— Obrigada. Hum... muito bom vinho!
— Qualquer coisa é só me chamar.
— Adorei esse garçom. Mas continue, amiga, o que você falava mesmo?
— Eu disse que não sabia como me sustentar. Você bem que podia tentar arrumar um emprego pra mim lá na fábrica do teu pai, né?
— Papai anda distante, não me ouve. Mas você pode ir morar lá em casa.
— Não sei. Se ao menos meus pais me aceitassem de volta, mas quando liguei pra eles meu pai lembrou-me aos gritos que havia me expulsado de casa e não aceitava devoluções.
— Porco.
— Meu pai?
— Não, pra comer. Eles não servem porco?
— Não, Rebeca. Isso é um restaurante de comida japonesa.
— Ah! Por que viemos pra cá?
— Esqueça o restaurante. Eu, na verdade, só queria que o Caio voltasse. Não preciso sair daquela casa, só preciso que ele volte.
— Mas se ele estava se sentindo sufocado... nossa, eles têm bolinhos de arroz! Eu adoro bolinhos de arroz! Vou pedir dezenas desses. Garçom!
— Não tenho apetite.
— Ele deve ter outra.
— Quem? O Caio?
— Claro! De quem estamos falando?
— Já nem sei mais, amiga.
— Ele é tão fofinho!
— Eu sei, eu o amo.
— Estou falando do garçom. Garçom!
— Posso ajudá-la, senhora?
— Sim! Nós queremos cinco desses bolinhos de arroz e os melhores peixes crus que vocês tiverem para nos servir.
Sushi?
— Cinco!
— Não demoraremos a trazer.
— Obrigada.
— Meu Deus... será que foi aquela biscate do escritório dele?
— Secretária?
— Sim.
— Sem dúvida! Eles adoram secretárias.
— Vou matar ela! Estou desnorteada.
— Gostou do meu cabelo?
— Seu cabelo?
— É. Mudei um pouco o penteado. Puxei mais pra esquerda, vê?
— Aham...
— Está lindo, eu sei!
— Rê, eu tenho que dar um jeito na minha vida. Estou muito dependente deste homem!
— Espera, vou no banheiro e já volto!

(Quinze minutos depois)
— Por que você está chorando, amiga? Aconteceu alguma coisa enquanto eu saí?
— Meu mundo desmoronou... sou praticamente uma indigente!
— Não fica assim... e essa comida que não chega!
— O que eu faço? Não sei trabalhar em nada!
— Já sei! O cabaré!
— O quê? Você está enlouquecendo, Rebeca!
— Não. Lembra que uma vez fomos atrás do meu irmão no cabaré pra avisar que a mulher dele havia descoberto sua infidelidade?
— Onde você quer chegar?
— Foi lá que eu vi esse garçom! Acho que ele é amigo do Gu.
— Rebeca, minha vida está estraçalhada e você fica pensando nessa merda desse garçom!
— Calma amiga, também não é pra tanto.
— Não é pra tanto? Fui abandonada pelo homem que amo, minha família não me aceita de volta, minha melhor amiga não me ouve, não sei trabalhar em nada e meu cartão de crédito estourou. Minha geladeira só tem luz. Não tenho o que comer em casa!
— Peraí, amiga. Você não tem dinheiro pra pagar a conta do restaurante?
— Não tenho uma moeda sequer!
— Ave Maria! Vamos embora que eu não trouxe o cartão de papai!